a kid, everybody is. 0 673

postado por Ander

Acordou com o despertador. Acordou com a função soneca do despertador. Acordou com uma ligação de mariana querendo comprar ingressos pra peça de Clarice Lispector. Com dor de cabeça preparou o café e duas torradas, não iria mais pra aula, foda-se, com tanta angústia seria impossível conceber o mundo em teorias. Pensava muito sobre a ligação que precedia todos os despertares: a da noite anterior. Para joão as decisões eram muito difíceis, pensava e culpava-se em excesso. Sentia-se amado, mas não aprovado, podia garantir que sua fragilidade irritava seu pai, um exemplo de força e de…força! e era só isso. “Tem muito mais coisa que resistência às más condições nessa vida!”, mas o que um moleque de merda poderia saber? “será que tem mesmo?”

Difícil mesmo era explicar a reprovação, querer concordância, o que a princípio, parecia só um capricho mimado de quem tem que ter sempre apoio. No fim das contas conseguir o que queria era fácil, o que doía era pensar o que pensavam os outros em seus íntimos, maldizendo cada decisão “errada” que joão tomava, por ser aéreo demais, por ser viado demais, por ser sensível demais….mas era mentira!, ele tinha mariana, ele tinha coragem de ler as coisas mais profundas que cutucavam lá no fundo, ele enfrentava a vida sim, e apesar de lutar em seu intimo anárquico contra aquela merda de mito do bem sucedido ele tentaria ser um! E se tudo desse errado estava disposto a revelar o que o tinha deixado tão medroso durante toda a vida: toda criança é um fita virgem onde são impressas as coisas do mundo, e traumas são traumas, não podem ser retirados, o máximo que se pode fazer é gravar por cima e por cima. Mas os fragmentos sempre ficarão! Porque ninguém tinha proibido seus pais de inscreverem ele naquele maldito trabalho de ator mirim? Até hoje tinha medo de pessoas, mesmo daquelas que queriam o ajudar, sentia-se de novo com um ano e seis meses: ainda era o rapazinho do clipe: sua vida até hoje ainda era aquela animação a partir dos 4:55 do clipe.

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Distante das Linhas de Nazca 0 1275

Thiago Orlando Monteiro

Alguns vazios aumentam sempre que tentamos preenchê-los. E geralmente, porque tentamos preencher com algo que não nos cabe, ou no mínimo não nos pertence.

Não há muito que se ver aqui em cima. Menos ainda há o que se orgulhar. O cinzeiro está transbordando de cigarros. Por cima da mesa são quatro maços vazios e mais um pela metade. Tem outro vazio que não dá pra ver, embaixo do sofá, mas isso é sobre outro dia. As latinhas de cerveja entulhavam a mesa de centro até agora pouco, agora só restam sete, as outras estão sobre a pia. São quatro e meia da manhã, não há mais tempo de se arrepender de nada.

O fluxo de ideias vem numa vertente capaz de mudar o curso de um rio. São dois furacões que espalham tudo o que acabaram de criar. Instantes após o caos a calmaria tenta se fazer presente. Mas não. Esse tipo de sentimento não é bem-vindo, não agora. O cartão de crédito transforma a pequena montanha em linhas. Tudo começa novamente. E só acaba um grama depois.

Nossos impulsos ruem nossa integridade. E como costuma acontecer, ruínas geram ruínas.

O nascimento do sol enfim consegue barrar o curso desse desastre natural. A sensatez, rara nessas condições, permite que três latas de cerveja descansem na porta da geladeira. Um banho quente ajuda a relaxar o corpo. Mas agora, nada é capaz de parar a mente. Já debaixo do lençol o coração bate como uma britadeira. O medo da vida toma conta outra vez. É curioso como tudo sempre lembra o seu contrário. Minha maior vontade era de não estar aqui. Perto de tudo o que me corrói e tão distante das linhas de Nazca.

Escrito pelo Gabriel Protski

Ilustrado pelo Tho

Carta a Hunter S. Thompson 0 1212

A temporada de futebol americano ainda não acabou. Ainda faltam bombas. Faltam andanças. Faltam confusões. Ainda falta muita diversão. Que venham mais 67. Mais 17. Que apenas venham. Mesmo que doa. Mesmo que canse. Mesmo que seja obrigado a conviver com o gosto de cloro. Talvez isso não seja plano para mais ninguém. Não importa. Que sigam os jogos, a temporada está só começando.

 


 

Carta de suicídio de Hunter S. Thompson:

“A temporada de futebol americano acabou.

Chega de jogos. Chega de bombas. Chega de andanças. Chega de natação. 67 anos. São 17 acima dos 50. 17 mais dos que necessitava ou queria. Aborrecido. Sempre grunhindo. Isso não é plano, para ninguém. 67. Estás ficando avarento. Mostra tua idade. Relaxe. Não doerá”

 


 

Gabriel Protski