Sacrificando a própria vida por um bem estar 0 624

postado por Rafaé.

A vida nunca havia sido muito concreta com ele. Bruno experimentava seus sentimentos como quem toma um cafézinho enquanto aguarda pra ser atendido em uma imobiliária – com goles curtos e mornos. A prudência sempre foi sua maior marca. De certa maneira, as doses homeopáticas são a melhor forma de absorver a vida sem consumir a si mesmo (ou quase isso).

Sentimentos e experiências intensas exigem muito de si, o que acaba reduzindo a vida útil de um indivíduo. O cabo de guerra, seja entre a santidade e a libertinagem, ou a razão e a delinquência, acabam por dilacerar os que tendem para algum lado. Por isso, o conforto do meio termo sempre se faz presente. Pessoas medianas tendem a viver mais, por não lidarem com suas vontades, em prol da tão almejada estabilidade.

Estabilidade. Existe algo mais mediano?

Sendo assim, Bruno almejava sua vida longa. A prudência sempre o poupara de desafetos. A tristeza nunca o abatera, pois encontrava sua felicidade em fatos cotidianos, que sempre estariam ao seu redor. Suas realizações sempre foram eminentes, pois seus sonhos nunca foram além do alcance de seus braços.

Limitar os sonhos. Aí está outra estratégia para evitar frustrações. Pra que sonhar com algo que lhe consumirá a vida, sem a garantia de uma realização? A angústia da incerteza do sucesso o consumirá constantemente, o conduzindo ao fracasso. Sim. É claro que isso é uma canalhice só, que serve de consolo aos medianos.

E assim Bruno conduziu sua vida, até o fim. Ora experimentando os prazeres próximos, ora poupando-se das incertezas da vida. Sua vida era conduzida pela linha-visível-da-vida-mediana. Nenhum de seus sentimentos foi mais doce que uma bolacha de maizena, ou mais amargo que uma limonada gelada.

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Distante das Linhas de Nazca 0 1277

Thiago Orlando Monteiro

Alguns vazios aumentam sempre que tentamos preenchê-los. E geralmente, porque tentamos preencher com algo que não nos cabe, ou no mínimo não nos pertence.

Não há muito que se ver aqui em cima. Menos ainda há o que se orgulhar. O cinzeiro está transbordando de cigarros. Por cima da mesa são quatro maços vazios e mais um pela metade. Tem outro vazio que não dá pra ver, embaixo do sofá, mas isso é sobre outro dia. As latinhas de cerveja entulhavam a mesa de centro até agora pouco, agora só restam sete, as outras estão sobre a pia. São quatro e meia da manhã, não há mais tempo de se arrepender de nada.

O fluxo de ideias vem numa vertente capaz de mudar o curso de um rio. São dois furacões que espalham tudo o que acabaram de criar. Instantes após o caos a calmaria tenta se fazer presente. Mas não. Esse tipo de sentimento não é bem-vindo, não agora. O cartão de crédito transforma a pequena montanha em linhas. Tudo começa novamente. E só acaba um grama depois.

Nossos impulsos ruem nossa integridade. E como costuma acontecer, ruínas geram ruínas.

O nascimento do sol enfim consegue barrar o curso desse desastre natural. A sensatez, rara nessas condições, permite que três latas de cerveja descansem na porta da geladeira. Um banho quente ajuda a relaxar o corpo. Mas agora, nada é capaz de parar a mente. Já debaixo do lençol o coração bate como uma britadeira. O medo da vida toma conta outra vez. É curioso como tudo sempre lembra o seu contrário. Minha maior vontade era de não estar aqui. Perto de tudo o que me corrói e tão distante das linhas de Nazca.

Escrito pelo Gabriel Protski

Ilustrado pelo Tho

Carta a Hunter S. Thompson 0 1213

A temporada de futebol americano ainda não acabou. Ainda faltam bombas. Faltam andanças. Faltam confusões. Ainda falta muita diversão. Que venham mais 67. Mais 17. Que apenas venham. Mesmo que doa. Mesmo que canse. Mesmo que seja obrigado a conviver com o gosto de cloro. Talvez isso não seja plano para mais ninguém. Não importa. Que sigam os jogos, a temporada está só começando.

 


 

Carta de suicídio de Hunter S. Thompson:

“A temporada de futebol americano acabou.

Chega de jogos. Chega de bombas. Chega de andanças. Chega de natação. 67 anos. São 17 acima dos 50. 17 mais dos que necessitava ou queria. Aborrecido. Sempre grunhindo. Isso não é plano, para ninguém. 67. Estás ficando avarento. Mostra tua idade. Relaxe. Não doerá”

 


 

Gabriel Protski