postado por Marcola
Com essa coisa de indústria cultural e invenção incessante de ícones que ajudem a vender coisas, penso ser importante destacar que as sub-celebridades sempre foram mais legais que as pessoas verdadeiramente notórias em suas áreas de atuação profissional. Em qualquer sentido escolhido para análise. Desafio qualquer um para debate. O oponente defendendo Jacks Nicholson’s, e Caetanos Velosos. Eu fico com os Theos Beckers e Pretas Gils, com a diferença de que eu fico com este calibre de celebridade que reside em publicações das que se leem a capa nas filas dos supermercados, ou na boca de Nelson Rubens até a morte, porque os meus sempre comovem as pessoas de forma mais intensa e entram mais fundo nos sonhos e projeções que fazemos sobre como seria “viver a vida em plenitude”. Se aproximam de nós por não serem ninguém, como não somos.
Gilson. Cantor. Não muito famoso, ou sequer talentoso. Sub-celebridade da cidadezinha. Um cara simpático, querido, daquelas pessoas sobre as quais não se diz um “a” contra, e não se levanta uma vírgula para questionar nada relacionado à figura. Ninguém tem coragem de atacar estas pessoas. Podem haver motivos, mas a coragem é sempre pouca e fraca e rala.
Mas aí reside a magia do que estou prestes a descrever. No que se não espera.
Era só um casamento como outros tantos nos quais Gilson já cantara. Sobre o contexto, o que ouviu-se falar é que o pai do noivo era abastado, e circulava na alta sociedade quando visitava a capital. Tinha amigos famosos e vez ou outra saía nas colunas sociais de jornais de tiragem estadual. Com direito a nome na legenda, e taça de champanhe caro na mão, e toda essa porra. E quando o filho de um cara desses casa, não é pra fazer uma festa qualquer.
Chamou nosso herói pra cantar por recomendação da noiva, amiga pessoal de anos. Porque você pode pagar pela festa, mas há de haver elegância o bastante para não desrespeitar algumas das vontades dos protagonistas do evento, afinal. E Gilson cantou. E cantou. Alguns temas óbvios, algumas do Fábio Junior, algumas do Roberto Carlos, alguns hits do cancioneiro brasileiro dos últimos dez anos, para não deixar os jovens de fora da festa. Enfim. Cantou bastante, no esquema banquinho e violão. E a noiva jogou o buquê, e ouviram-se muitos votos de eternidade por parte dos recém casados, e renovação de votos já quase esquecidos dos casados há mais tempo, e tudo estava lindo, e Gilson viu alguém e duvidou brevemente de quem seria, quando primeiro vislumbrou o ser. Sentado numa mesa distante do palquinho improvisado, no qual agora Gilson bebia durante um intervalo depois de executar “Você Vai Ver”, de Zezé de Camargo & Luciano. O homem misterioso todo de branco, como era a regra deste casamento em específico, de chapéu igualmente branco cobrindo os olhos, olhando para baixo. Bebendo água, e conversando com as pessoas certas tempo em tempo. (É sempre fácil identificar quem são as pessoas certas e importantes em grandes eventos, que é uma questão de simples atenção e boa vontade). As nuvens brancas no céu, e Gilson deselegantemente apontando gritou, a pouco menos de 20 metros de distância. Alucinado, emocionado e quase embriagado:
– ROBINSON ANJO! GENTE! O ROBINSON ANJO TÁ AQUI! OLHA ALI NO FUNDO!
ps: sim, eu também acho que cantar “Você Vai Ver” num casamento é de um gosto lírico bastante questionável e desagradável, mas essa música é demais, e eu resolvi usá-la, e não tô nem aí.