Cantou Num Casamento 0 661

postado por Marcola

Com essa coisa de indústria cultural e invenção incessante de ícones que ajudem a vender coisas, penso ser importante destacar que as sub-celebridades sempre foram mais legais que as pessoas verdadeiramente notórias em suas áreas de atuação profissional. Em qualquer sentido escolhido para análise. Desafio qualquer um para debate. O oponente defendendo Jacks Nicholson’s, e Caetanos Velosos. Eu fico com os Theos Beckers e Pretas Gils, com a diferença de que eu fico com este calibre de celebridade que reside em publicações das que se leem a capa nas filas dos supermercados, ou na boca de Nelson Rubens até a morte, porque os meus sempre comovem as pessoas de forma mais intensa e entram mais fundo nos sonhos e projeções que fazemos sobre como seria “viver a vida em plenitude”. Se aproximam de nós por não serem ninguém, como não somos.

Gilson. Cantor. Não muito famoso, ou sequer talentoso. Sub-celebridade da cidadezinha. Um cara simpático, querido, daquelas pessoas sobre as quais não se diz um “a” contra, e não se levanta uma vírgula para questionar nada relacionado à figura. Ninguém tem coragem de atacar estas pessoas. Podem haver motivos, mas a coragem é sempre pouca e fraca e rala.

Mas aí reside a magia do que estou prestes a descrever. No que se não espera.

Era só um casamento como outros tantos nos quais Gilson já cantara. Sobre o contexto, o que ouviu-se falar é que o pai do noivo era abastado, e circulava na alta sociedade quando visitava a capital. Tinha amigos famosos e vez ou outra saía nas colunas sociais de jornais de tiragem estadual. Com direito a nome na legenda, e taça de champanhe caro na mão, e toda essa porra. E quando o filho de um cara desses casa, não é pra fazer uma festa qualquer.

Chamou nosso herói pra cantar por recomendação da noiva, amiga pessoal de anos. Porque você pode pagar pela festa, mas há de haver elegância o bastante para não desrespeitar algumas das vontades dos protagonistas do evento, afinal. E Gilson cantou. E cantou. Alguns temas óbvios, algumas do Fábio Junior, algumas do Roberto Carlos, alguns hits do cancioneiro brasileiro dos últimos dez anos, para não deixar os jovens de fora da festa. Enfim. Cantou bastante, no esquema banquinho e violão. E a noiva jogou o buquê, e ouviram-se muitos votos de eternidade por parte dos recém casados, e renovação de votos já quase esquecidos dos casados há mais tempo, e tudo estava lindo, e Gilson viu alguém e duvidou brevemente de quem seria, quando primeiro vislumbrou o ser. Sentado numa mesa distante do palquinho improvisado, no qual agora Gilson bebia durante um intervalo depois de executar “Você Vai Ver”, de Zezé de Camargo & Luciano. O homem misterioso todo de branco, como era a regra deste casamento em específico, de chapéu igualmente branco cobrindo os olhos, olhando para baixo. Bebendo água, e conversando com as pessoas certas tempo em tempo. (É sempre fácil identificar quem são as pessoas certas e importantes em grandes eventos, que é uma questão de simples atenção e boa vontade). As nuvens brancas no céu, e Gilson deselegantemente apontando gritou, a pouco menos de 20 metros de distância. Alucinado, emocionado e quase embriagado:

– ROBINSON ANJO! GENTE! O ROBINSON ANJO TÁ AQUI! OLHA ALI NO FUNDO!

ps: sim, eu também acho que cantar “Você Vai Ver” num casamento é de um gosto lírico bastante questionável e desagradável, mas essa música é demais, e eu resolvi usá-la, e não tô nem aí.

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Distante das Linhas de Nazca 0 1277

Thiago Orlando Monteiro

Alguns vazios aumentam sempre que tentamos preenchê-los. E geralmente, porque tentamos preencher com algo que não nos cabe, ou no mínimo não nos pertence.

Não há muito que se ver aqui em cima. Menos ainda há o que se orgulhar. O cinzeiro está transbordando de cigarros. Por cima da mesa são quatro maços vazios e mais um pela metade. Tem outro vazio que não dá pra ver, embaixo do sofá, mas isso é sobre outro dia. As latinhas de cerveja entulhavam a mesa de centro até agora pouco, agora só restam sete, as outras estão sobre a pia. São quatro e meia da manhã, não há mais tempo de se arrepender de nada.

O fluxo de ideias vem numa vertente capaz de mudar o curso de um rio. São dois furacões que espalham tudo o que acabaram de criar. Instantes após o caos a calmaria tenta se fazer presente. Mas não. Esse tipo de sentimento não é bem-vindo, não agora. O cartão de crédito transforma a pequena montanha em linhas. Tudo começa novamente. E só acaba um grama depois.

Nossos impulsos ruem nossa integridade. E como costuma acontecer, ruínas geram ruínas.

O nascimento do sol enfim consegue barrar o curso desse desastre natural. A sensatez, rara nessas condições, permite que três latas de cerveja descansem na porta da geladeira. Um banho quente ajuda a relaxar o corpo. Mas agora, nada é capaz de parar a mente. Já debaixo do lençol o coração bate como uma britadeira. O medo da vida toma conta outra vez. É curioso como tudo sempre lembra o seu contrário. Minha maior vontade era de não estar aqui. Perto de tudo o que me corrói e tão distante das linhas de Nazca.

Escrito pelo Gabriel Protski

Ilustrado pelo Tho

Carta a Hunter S. Thompson 0 1213

A temporada de futebol americano ainda não acabou. Ainda faltam bombas. Faltam andanças. Faltam confusões. Ainda falta muita diversão. Que venham mais 67. Mais 17. Que apenas venham. Mesmo que doa. Mesmo que canse. Mesmo que seja obrigado a conviver com o gosto de cloro. Talvez isso não seja plano para mais ninguém. Não importa. Que sigam os jogos, a temporada está só começando.

 


 

Carta de suicídio de Hunter S. Thompson:

“A temporada de futebol americano acabou.

Chega de jogos. Chega de bombas. Chega de andanças. Chega de natação. 67 anos. São 17 acima dos 50. 17 mais dos que necessitava ou queria. Aborrecido. Sempre grunhindo. Isso não é plano, para ninguém. 67. Estás ficando avarento. Mostra tua idade. Relaxe. Não doerá”

 


 

Gabriel Protski