“Beijo na boca me dá tesão” – parte I 15 2036

Primeiras, segundas e terceiras impressões. Nem sempre simples contatos bastam para desvendar algumas personalidades. Alguns surgiram e marcaram suas gerações com feitos de bravura, liderança, ou simples toque de genialidade. Cristóvão Colombo desbravou os mares, contrariando tempestades (físicas e psicológicas). O resultado, todos conhecemos. Apesar da relevância histórica, não é pra exaltar feitos de antepassados que estamos aqui.

Foi justamente utilizando a perspicácia, tão cara aos inovadores, que Gabriel Colombo conseguiu mais de 600 mil visualizações de suas vídeopoesias no Youtube.

Video o quê?

Assim como Leminski e seus questionamentos sobre Cristo, Gabriel fez do vídeo meio de difusão para suas ideias e desejos. French Kiss foi o primeiro publicado; seguido por Casa, Carinho e Coca Cola.  Estes trabalhos são uma amostra do estilo irônico que o escritor (e modelo) imprime em seu livro Verde cor de menta e dos teus olhos, publicado em 2009.

Egocêntrico, gentil,  bon vivant ou boa praça? Cabe a você, e sua dedicação, desvendar esta personalidade:

 

 

Colombo, o modelo
Colombo, o modelo

O que se lembra da sua infância?

Os brinquedos e as brincadeiras. Eu tinha uma garagem cheia debrinquedos e vivia ligando para os meus amigos com a pergunta: ”E ae? Vamos brincar?”. E os brincadeiras, em rua ou em casa, eu sempre bolava o enredo, inventava os personagens e como ia ser a história. A hora que terminava tudo, eu detestava, e voltava para casa vermelho de raiva. Eu era bochechudinho!

As colegas de escola prestavam atenção em você?

Sim, prestavam… não como o garotinho atraente, mas como
inteligente, o “sabe tudo”. Adoravam sentar perto de mim, pegar meus
cadernos, ligar para tirar dúvidas. EU ERA NERD; quem diria que um nerd
trabalharia (também) como modelo e faria um dia Ensaio Sensual?!

Sofreu muito por amor?

Ando com o entendimento que o amor é muito complexo, sublime,
achamos que sabemos o que é o amor, mas estamos enganados. Quando
acaba, vivemos nos queixando, portanto, não é amor. Amor será quando
estivermos em estado de graça pleno, em alto voo, com os dois braços
abertos frente ao precipício sem o menos receio de cairmos. O que tive
até hoje foram pequenos golpes, chamados paixão e, sim, já sofri.

 

E por ódio?

Por ódio? Já tive vontade que jamais tivesse eu conhecido tal pessoa
e que ela morresse, mas sofro quieto, ninguém imagina que eu esteja
roído por dentro. Ódio, em outro âmbito, eu tenho até hoje de quem
deixa os outros sem resposta.

 

Que coisas te aborrecem?

Gente sem SENSO de HUMOR. Eu me dava com um cara e normalmente
falava ironias e brincadeiras para ele, em nossas conversas. A esposa
dele disse-me “Não brinca com ele porque ele não sabe brincar”. Notei
que era uma das raras pessoas sem senso de humor que me rodeavam. Me
afastei. Quem não tem essa condição básica para mim, a de “afrouxar a
corda da seriedade e dureza da vida”, não vale, a não ser que seja a
200m de distância!

Que coisas te divertem?

Me diverte? Gente parecida comigo, na mesma frequência. Daí fica
muito mais fácil brincar (em todos sentidos).

 

Que coisas te fazem chorar?

Quando eu choro de emoção? Choro com declarações de amor. Gente que se
confessa para outra abertamente, que abre a caixinha dos sentimentos e
diz o quanto ama. Cena de beijo de cinema também!. Tu sempre sabes
quando vai acontecer o beijo, mas para mim, nunca é demais ou cafona.
Já cheguei a salivar assistindo. Beijo na boca é quase tudo.

Qual o papel da música na tua vida?

O de desestressar (para abstrair ou elaborar pensamentos). O de
dançar (festas). E como fonte de inspiração: é resumo da vida, a
música. Resumo do sonho, resumo do pesadelo. Resumo das pretensões, dos
anseios. Síntese do “MUITO” que são esses assuntos que entrelaçam
vida/morte/dor/alegria. Desconfio de quem não ouve música. E quando
conheço alguém, logo quero descobrir o gosto musical,…por aí traço
meio que um perfil.

Com qual personagem da história universal gostaria de se parecer?

Eu gostaria de ser um híbrido de Nietzsche, Chet Baker e Kurt
Cobain. Aliar genialidade, ternura e claro, um pouco de loucura (para
sobreviver!)

John Lennon, Elvis Presley ou Lady Gaga?

John Lennon é doce, e acho legal cara que sabe e admite ser doce.
Se nasce assim. De forma alguma é fragilidade. Mas vou responder Elvis:
morro de inveja, …(!), por mais que eu tente, nunca consigo fazer um
topete tão perfeito como o dele!

Esta é a primeira parte a entrevista com Gabriel Colombo. Assim que possível, explanaremos sobre a literatura praticada pelo autor (e modelo). Sonhem até lá, meus bens.

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15 Comments

  1. Fiquei emocionado com esse primeiro grande feito de um blog que tem tanto potencial. Meus parabéns obscenidade digital, afinal de contas, Gabriel Colombo é REI!

  2. Cassetada!

    Essa entrevista (parafraseando Colombo) sacudiu o fluxo sanguíneo do meu cérebro!

    Parabéns!
    Estou ansioso pela segunda parte!

  3. E eis que a literatura contemporânea não está perdida: com charme e genialidade, Gabriel Colombo, o anjo desbravador do além-mar, traz-nos torrencialmente seu swing & jeitinho maravilhoso que me da tesão!

  4. Rio Grande, que é uma ótima cidade (risos), exportando ao mundo o que temos de melhor na cidade: rio-grandinos (mais risos).

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Escala de Baumé 0 4997

Já não se criam mais homens de barro, apesar de continuarmos nos esfarelando. É aceito que hoje somos compostos por água e ansiedade. De barro só os tijolos, com que se ergueram os muros de nossas casas e prisões. A ansiedade só cresce.

Na primeira vez em que fui visitar o Jaime na clínica ficamos em silêncio por quase uma hora, quinze anos de amizade nos poupam de certos diálogos dispendiosos. No momento de ir embora ouvi com clareza o que seus olhos me diziam, não podia abandoná-lo, e não o fiz. Na semana seguinte houve a necessidade de falar, de abraçar, de chorar; é difícil permanecer impassível quando seu colega de quarto é internado após tentar serrar os pulsos com um serrote, dessa vez era isso que seus olhos e braços me diziam. Os suicidas estão à procura de sua própria justiça, na qual a morte é a sentença final. O Jaime não era um suicida, ao menos não nos moldes convencionais, já que tomar uma garrafa de destilado por dia vinha se mostrando uma técnica efetiva para findar com sua vida. Seus sorrisos tornaram-se raros, pequenas ilhas de alívio no caos murado da instituição; os espaços cada vez menores, a alma tumultuada, a mente entulhada. Não sei o que tive mais medo de ver, se um surto ou a depressão profunda, um conforto mórbido me tomava ao vê-lo flutuar entre ambas hipóteses. Foi na décima terceira semana que decidimos que algo precisava ser feito.

Nunca concordei com essa internação, entendo-a, não é fácil para família alguma ter alguém fora de controle, mas não posso compactuar com isso. Lá fora o Jaime era a materialização da beleza na desordem, um furacão que arrasa um campo de rosas para se encher de cor, aqui ele não passa de um sopro, incapaz de espalhar as pétalas de um dente de leão. Onde esse ímpeto se perdeu? Na abstenção do álcool ou da vontade própria? Troquei minhas mágoas pela vergonha depois de descobrir o motivo de não ter sido ouvido em algumas visitas; certo dia trocaram o Jaime de quarto, sem consentimento algum ele foi amarrado em sua cama e transferido para outro cômodo, frio e com janelas menores. A crise de identidade se apossou dele, não se sentia mais um homem, era agora objeto. Não tinha mais nome, por isso não atendia quando o chamavam, tornou-se coisa, dessas que trocamos de lugar por mero paisagismo e descartamos quando causam problemas. Definitivamente, não existe amor sem empatia.

Uma hóstia podre e carcomida pelos vermes ainda é o corpo de cristo? Era a pergunta que me fazia todos os dias em que tinha que encarar um Jesus deteriorado na sala de espera da clínica. Dois mil anos com os pulsos pregados, quanto tempo mais era possível aguentar esse tipo de tortura? Na décima quarta semana cumpri com o combinado, depois que o Jaime voltou a ser alguém, a gente mergulhou num saudosismo afável, de quando éramos quem queríamos ser: bêbados que culpavam o álcool pelas próprias frustrações artísticas.

Pouco dormi na semana que antecedeu esse dia, nos momentos em que o cansaço venceu a angústia sonhei com prédios ruindo, maldito sonho que não me abandona. Deixei o carro embaixo da figueira de sempre, há quem diga que ela é a árvore da vida, também dizem que foi onde se deu o enforcamento de Judas Iscariotes. Minhas mãos suam, agora seria incapaz de dar um nó em qualquer corda. Como já me é habitual, encaro Jesus, com todas as minhas dúvidas.

Enfim chamam pelo meu nome. No caminho até o quarto o enfermeiro elogia minha decisão de trazer toddynho e trakinas para meu amigo, diz que nos últimos dias os internos passaram à pão e água, só meneio com a cabeça. É minha vez de engolir as palavras, sento em frente a ele e respondo com os olhos o seu questionamento. Trouxe? Estico a mão e lhe entrego, sinto medo, receio, vontade de me livrar logo disso e seguir em frente. Ele sorri nervosamente, a ansiedade lhe obriga a contrair seu maxilar, tomado pela dúvida, se espera o momento certo ou se entrega agora. Suo frio, quero ir embora, mas não consigo nem me levantar, nem virar o rosto, ele fura a superfície de alumínio com o canudinho e bebe tudo num gole só. Sorri com leveza, me abraça com calor, me pede pra voltar na semana seguinte. Vou embora me arrastando, as costas arqueadas carregam o peso de uma cruz, quantas mentiras conseguimos contar durante a vida?

Procuro no calendário onde foram parar os dias da semana que se foi, não há negociação, já é véspera de visita novamente. Encaro a prateleira do supermercado, água de coco ou suco de laranja? Nunca fui um bom alquimista, li dia desses que vão menos conservantes na água de coco, sei lá que diferença isso faz. A cena é cinematográfica, chego em casa e busco a sacola com meu kit, me sinto um coadjuvante de Trainspotting com uma seringa pontuda em mãos. Furo o fundo da caixinha de água de coco e retiro metade do líquido, a mão que segura a garrafa de vodka treme, encho novamente a seringa e preencho a embalagem usando o mesmo furo de antes, tapo a abertura com um pedaço milimétrico de durex. Torno a pegar a garrafa de vodka, a mão ainda tremendo, sirvo uma dose e bebo num gole só. Choro, por mim e por todos os bêbados que insistiram em criar descrença em seus queridos. Sóbrios ou não, permanecemos assistindo a ansiedade tomar conta.

Crédito da Imagem: Robert Mapplethorpe

Impressões Sinestésicas de Um Entusiasta 0 2959

This Will Destroy You

Another Language | Cinderella 99

Há um sussurro quase inaudível, penetrando por debaixo da porta e passando pelas pequenas frestas na janela, carrega uma mensagem codificada de algum lugar distante, em um tom suavemente sedutor; estimula os olhos a enxergarem longe, principalmente se fechados. A esperança, natural aos novos fenômenos, abre um pequeno portal em minha frente: não enxergo nada além de sua profundidade, e, já é tarde demais para escolher não progredir através desse vórtice. A renúncia à paz, que se faz presente em toda nova empreitada ao desconhecido, sequestra-me e me lança em direção ao que nem sabia que procurava; decodifico o início da mensagem e a revelação é clara: estou prestes a descobrir um novo idioma.

 

Sou devolvido ao lugar onde comecei e não sou mais o mesmo, uma força que transmite uma paz inquieta mudou tudo de lugar, e, tanto os móveis quanto as sensações agora ocupam posições mais confortáveis. Tento me familiarizar com o novo momento, me aproximo de sentimentos que sempre me foram íntimos e os descubro restaurados, há uma nova vibração emanando em torno de mim, cada vez mais tátil; já não sei se a levo comigo ou se sou carregado por ela.

 

Viajo num mundo confortavelmente desabitado, me sinto pleno em minha solidão, contemplo o deserto em quase todo o horizonte; vejo apenas uma montanha, distante, que calmamente vem em minha direção. O chão vibra com ternura conforme o espaço entre nós diminui. Cordial, ela se abaixa para eu enxergar o que carrega em seu topo; atinjo seu ápice, e uma pequena interferência me leva para onde as nuvens nublam suavemente a visão. Viro para o outro lado, observo um abismo, que me contempla de volta. Desço como quem flutua, mas sei que o caminho reserva novas surpresas; sinto a pulsação do vento mudar, enchendo as nuvens de eletricidade enquanto algumas delas se acendem, gerando pequenas explosões que iluminam o caminho.

 

A luz que dá impressão de rarear muda de cor, assume uma dramaticidade rubra, com sombras demarcadas. Sou envolto em uma tensão que não transmite temor, necessária para a dissolução de antigos reinos. É parte da história que nos contam desde que nascemos, é objeto, mas nem por isso é obstáculo. Quando a tensão se dissolve, o chão volta a ser plano, a energia que passa a me envolver parece ter surgido de dentro para fora. Uma paz, que por mais curta que seja, traz a ideia do eterno. Para chegar mais longe, alguns passos tentam nos guiar até nossos ancestrais; somam-se a mim forças reunidas de outros tempos, calor de partículas que o cotidiano insiste em esfriar. A percepção de sua existência me convida para lugares onde se desmaterializa tudo que criei, me conforto em esquecer o que não preciso carregar.

 

Docemente, os sons começam a se esvair pelo quarto, e já não me preocupo mais em impedir que se escapem pelas frestas, volto para um lugar análogo de onde eu era, repleto de novas perspectivas. Me conforta a comprovação de que ainda vou me interessar por tanta coisa que desconheço. Trago a paz que as boas viagens nos reservam ao voltar para casa, com a convicção de que tudo é linguagem e nada é apenas ruído.

thiswilldestroyyou.bandcamp.com/album/another-language