Postado por Marco Antonio – The Master Of Disaster
O preço do estacionamento era caro, mas o senhor Z. acreditava que possuía um bom motivo para deixar o carro dentro do shopping, e não na rua. Cada qual com suas razões. Havia uma promoção de cuecas em uma loja da moda, o que quer que o conceito “loja da moda” signifique. Válida tanto para os modelos chamados tradicionais, quanto para as boxer.
– Oi, tudo bem? Eu quero dar uma olhada nas cuecas, por favor. Nessas da promoção.
Olhou. Em seu critério pessoal fez bom uso daqueles vinte e oito minutos. Encontrou algumas de que gostou, ainda que seja estranho constatar que alguém se ocupa verdadeiramente em pensar em demasia sobre cuecas.
Aproximou-se da bonita e simpática vendedora. Ela fingia desatenção. Disse o senhor:
– Eu gostei dessas seis aqui. Vou querer duas de cada.
– Tudo bem, senhor. Qual vai ser a forma de pagamento, por favor?
– Vou passar no cartão de débito.
– Tudo bem. Então me acompanhe, que a Samara já passa para o senhor.
– Tá bom. Mas antes eu vou pedir mais uma gentileza. Você verifica no estoque se vocês tem esses modelos em tamanho EPIC, por favor? Que aqui em baixo eu só encontrei até tamanho GG, e GG pra mim não dá.
Um dos poucos problemas em comprar roupas íntimas é o fato de que o cliente não pode experimentar o produto antes de levá-lo para casa, como se faz comumente com camisetas, calças e mesmo carros. Espera-se que o consumidor tenha ciência das próprias medidas, economizando assim o tempo e a paciência dos vendedores e vendedoras . Natural, como é natural usar limões para fazer limonada.
– EPIC, senhor? Eu vou ali em cima dar uma olhada. Não garanto que a gente tenha, mas vou verificar. Só um minutinho.
– Claro. Fica tranquila. Duas de cada, tá?
E Estela subiu a escadaria, rumo ao estoque. Solícita, como sempre. A subserviência, o cumprir o papel ao qual se submetia como vendedora a obrigava a procurar o que obviamente não existia. Cuecas tamanho EPIC? Que palhaçada era esta, agora? O cliente nem gordo era, o que talvez justificaria o excêntrico pedido. Seria aquela alguma bizarra piada sexual velada? Assédio? Bem, talvez o senhor tivesse, de fato, sido agraciado pela natureza, mas, EPIC? Não. Isto não existia nem no estoque, nem em qualquer outro lugar no mundo. Era apenas a segunda semana como funcionária desta loja, portanto, melhor procurar muito bem que se indispor e desapontar sua chefe, que assistia a cena com os olhares inquisidores necessários para manter a ordem no estabelecimento. De soslai0, sim, porém completamente conectada ao momento.
Claro que no quesito pedidos estranhos, sobrevivia na mente de Estela a lembrança do homem que pedira banana à milanesa com chantilly, raspas de limão, açucar cristal polvilhado e molho bechamel, quando ela era garçonete de uma lanchonete na rodoviária de Maringá. Mas desta vez era diferente. O olhar intenso do homem que estava lá em baixo esperando suas hipoteticamente existentes cuecas, faltava ao senhor da lanchonete. O que significava aquilo?
Será que é normal entre os homens de meia idade o gosto pelo estranh0, ou a preferência pelo raro? Seria esta uma forma de forjar sentido para a vida, esta coisa de passar pelo maior número de experiências possíveis? Certo era que seu pai nunca fora afeito à excentricidades quando tinha seus cinquenta e tantos anos. Então não era isso. A idade ou o gênero sexual nada tinham a ver com a resposta que procurava. Mas, sabia ela, raramente a resposta das coisas está no mesmo lugar das perguntas.
E, caixa após caixa, procurava por cuecas e soluções. Dez minutos. Quinze.
Desceu para anunciar o resultado da(s) busca(s), mas o senhor havia ido embora.
*tradução livre de trecho de “Silhouette”, do Thrice
Epic? Apenas para os Guerreiros de Asgard (“Lenda”), entenda como quiser.
Cada um sabe o tamanho de sua espada…
porém o importante mesmo é estar constantemente brandindo ao vento, a espada, no caso.
com certeza… uma boa espada deve estar sempre erguida!