Terça 0 488

Postado por Marco Antonio, um dos homens do spotlight, repito.

Perambula.

Braços meio caídos, coluna retorcida para a frente, roupas sujas, rasgadas, algumas manchas de sangue. Não sabe o que é banho há mais de uma semana. O queixo perto do peito, parece um lutador, um mendigo ou algo que o valha. Uma mistura. Soca a placa de trânsito, chuta o orelhão com a sola do pé descalço, chuta a lixeira do prédio,  procura comida entre os restos. Não encontra nada. Continua.

Rua vazia. Três da manhã de terça para quarta feira. Percebe o cheiro de tinta fresca da casa da esquina. Fica cheirando o ar. Parece o Wolverine. Parece irritado. Não tenho como descobrir daqui. Pega a maior pedra que encontra no chão e joga na vidraça do seu Paulo. Porra, e o seu Paulo reformou a casa inteira esses dias. Fez tudo lá. Parece que só não entrou na casa por causa da grade que separa a sala de tv da rua. Um taco de baseball na mão.  Estranho.

Sete minutos e meio depois, um carro de polícia passa devagar. Abaixa ainda mais a cabeça, encara o chão. Perde o interesse nos policiais na mesma medida em que estes ganham nele. “Qual é o tipo de vagabundo que fica passeando desse jeito com essa cara feia uma hora dessa da madrugada? Mendigo bêbado é foda. Esse tipo de filho da puta não tem nada na vida, mas todo dia arranja dinheiro pra encher a cara”. “Mas isso aí já é doença, meu. Eu só não entendi esse taco de baseball. Você já jogou baseball? Ninguém joga essa porra aí”. “Isso aí não é pra jogar baseball…isso aí é pra bater em alguém. Dá a volta na quadra aí, meio rapido. Mas tênis eu já joguei…”.

Mais vazia que a barriga só a alma. As lâmpadas dos postes de luz não são uma boa companhia. São a única. Não faz diferença. Murmura consigo próprio. Rosna para um cachorro que começou a latir. A polícia dá a volta na quadra. Bate na grade com o taco.

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Distante das Linhas de Nazca 0 1275

Thiago Orlando Monteiro

Alguns vazios aumentam sempre que tentamos preenchê-los. E geralmente, porque tentamos preencher com algo que não nos cabe, ou no mínimo não nos pertence.

Não há muito que se ver aqui em cima. Menos ainda há o que se orgulhar. O cinzeiro está transbordando de cigarros. Por cima da mesa são quatro maços vazios e mais um pela metade. Tem outro vazio que não dá pra ver, embaixo do sofá, mas isso é sobre outro dia. As latinhas de cerveja entulhavam a mesa de centro até agora pouco, agora só restam sete, as outras estão sobre a pia. São quatro e meia da manhã, não há mais tempo de se arrepender de nada.

O fluxo de ideias vem numa vertente capaz de mudar o curso de um rio. São dois furacões que espalham tudo o que acabaram de criar. Instantes após o caos a calmaria tenta se fazer presente. Mas não. Esse tipo de sentimento não é bem-vindo, não agora. O cartão de crédito transforma a pequena montanha em linhas. Tudo começa novamente. E só acaba um grama depois.

Nossos impulsos ruem nossa integridade. E como costuma acontecer, ruínas geram ruínas.

O nascimento do sol enfim consegue barrar o curso desse desastre natural. A sensatez, rara nessas condições, permite que três latas de cerveja descansem na porta da geladeira. Um banho quente ajuda a relaxar o corpo. Mas agora, nada é capaz de parar a mente. Já debaixo do lençol o coração bate como uma britadeira. O medo da vida toma conta outra vez. É curioso como tudo sempre lembra o seu contrário. Minha maior vontade era de não estar aqui. Perto de tudo o que me corrói e tão distante das linhas de Nazca.

Escrito pelo Gabriel Protski

Ilustrado pelo Tho

Carta a Hunter S. Thompson 0 1212

A temporada de futebol americano ainda não acabou. Ainda faltam bombas. Faltam andanças. Faltam confusões. Ainda falta muita diversão. Que venham mais 67. Mais 17. Que apenas venham. Mesmo que doa. Mesmo que canse. Mesmo que seja obrigado a conviver com o gosto de cloro. Talvez isso não seja plano para mais ninguém. Não importa. Que sigam os jogos, a temporada está só começando.

 


 

Carta de suicídio de Hunter S. Thompson:

“A temporada de futebol americano acabou.

Chega de jogos. Chega de bombas. Chega de andanças. Chega de natação. 67 anos. São 17 acima dos 50. 17 mais dos que necessitava ou queria. Aborrecido. Sempre grunhindo. Isso não é plano, para ninguém. 67. Estás ficando avarento. Mostra tua idade. Relaxe. Não doerá”

 


 

Gabriel Protski