postado por Rafaé
As tão recorrentes e relatadas disputas de terras no interior brasileiro renderam uma gastrite nervosa ao ainda adolescente Natalino. A briga era entre os irmãos Gomes: seu pai Dário e seu tio Albino, e durava desde antes de Natalino descobrir a vida. As lembranças das brigas entre os dois irmãos sempre estiveram coladas às demais memórias de Natalino, desde criança.
Os dias passavam aos arredores de Ipatinga com uma rotina que o colocava já na rua quando os primeiros raios de sol acordavam os pássaros. Natalino ajudou o pai na lavoura desde os 11 anos, ao lado de seu irmão Murilo, na época com 13 anos. As marcas do cabo da enxada ainda se fazem visíveis nas palmas das mãos do simpático e careca Natalino, hoje com 59 anos.
Mas em meio a toda essa rotina de vida batalhadora, porém pacata, a tranquilidade era constantemente interrompida pela disputa entre os dois irmãos. Afinal de contas, onde a cerca deveria ficar? O tio reclamava cerca de cinco alqueires de terra, o que lhe daria direito a um córrego em sua propriedade, para construir o tão almejado açude. Nunca soube ao certo que era o dono da razão. Mas o fato é que todas aquelas discussões, presenciadas desde cedo, causaram em Natalino a gastrite, que só piorou com o tempo, tornando-se uma úlcera.
O auge dessa briga familiar toda, para Natalino foi o dia em que, cansado das humilhações e provocações que seu pai vinha recebendo, de que em breve pagaria com a vida pela teimosia com a cerca, Natalino pegou escondido a espingarda do pai e foi esperar o tio no caminho de casa. Chegou pouco após a hora do almoço, e por lá ficou até o anoitecer, sentado num pé de manga, o mais alto que conseguiu subir. Aquela tocaia deveria colocar fim em todo aquele inferno. Sorte que ninguém passou por ali naquela tarde. É assim que lembra Natalino, com um olhar entre o perdido e o que acha graça de si mesmo.
Úlcera. Até hoje as lembranças das dores no estômago existem. Devido a elas, Natalino foi obrigado a sair da pequena Ipatinga em 1968, buscando tratamento em Curitiba. Sorridente, conta que lembra pouco da viagem, pois estava dopado com um chá que era receita de família.
Após quatro dias de viagem, Curitiba recebia Natalino e sua irmã Irma, para um tratamento de um mês, “num hospital que nem existe mais”. O mês acabou, junto o dinheiro, Irma voltou e o jovem Natalino resolveu ficar por aqui, lavando copos no restaurante próximo à pensão em que estava. O dinheiro não era muito, mas o suficiente pra manter um jovem com um estômago prestes a se recuperar completamente.
O ano era 1979. Natalino então com 28 anos firma sociedade com Juvenil de Andrade, o Bigode, e criam o bar que os sustenta até os dias de hoje. Após três mudanças de endereço, o hoje intitulado “Côndor – bar e lanches” está situado na rua Doutor Pedrosa, logo ali, na fronteira entre o Centro e o pomposo Batel.
É o dia inteiro lá, servindo muitas cervejas e poucas palavras, ainda assim sem perder a simpatia contida mineira. Da úlcera, só lembrança. Assim como as da Curitiba da década de 70, quando voltava a pé pra casa, atravessando o centro, a atual Vila Torres, sem nunca se preocupar com segurança. Todos na rua eram dignos de um ôpa! Sempre com as mãos nos bolsos. Até hoje o frio parece um desconhecido.
Dos dias de hoje, fala pouco. Apenas contempla a bagunça feita no bar, aos fins de noite, onde problema algum faz sentido aos seus visitantes. É o Eudes fazendo um churrasco no fundo, é o Zé Carlos reclamando os pontos roubados no truco, além da piazada que insiste em tratar engradado de cerveja como objetivo.
Cerveja? Pega ali na geladeira, trás aqui que eu abro. Porque aqui não tem garçom. Essa é a frase dita e repetida tantas vezes pelo Bigode, aos novatos. Natalino, se concorda, não o diz, apenas indica onde estão as garrafas…
Agora sei onde bebo, rapaiz!
isso é só o começo, beibe!
Vou tomar uma bera lá hoje!
: P
mais um comentário GLOBAL.