Há quem seja só perguntas, enquanto outros são só respostas 5 771

Postado por Marky, o Anthony

– Mas vai que existe mesmo essa coisa de destino, mãe! Tipo, como se tivesse alguma coisa bem legal prevista pra acontecer a qualquer momento, sabe? E tipo…cada momento que passa parece tempo perdido, de um ponto de vista, mas é ao mesmo tempo um quilômetro a mais que você anda na estrada, esperando o atropelamento, sabe? Você já foi atropelada, assim, mãe? Por uma emoção forte demais, que vem do nada? Alguma coisa que dê pra sentir de verdade, sabe? Aconteceu isso com você quando você conheceu o pai, por exemplo? Desculpa perguntar, mas é que você nunca diz nada sobre essas coisas, daí não tem como eu saber. Eu acho que eu tô apaixonada, mãe. É até esquisito de falar sobre isso.

– Primeiro: ninguém anda por uma estrada esperando um atropelamento, filha. Segundo: se existe essa coisa de destino não importa. O que importa é não ter certeza. O mito dessa coisa de missão cósmica é divertido, e tal. É importante, porque não dá pra ter certeza se é tudo mentira, ou se é tudo verdade. Por exemplo, se você soubesse que tudo isso é mentira, que tudo que acontece é uma construção que você arma dentro da própria cabeça, e que não tem nada de especial pra acontecer na tua vida no futuro, do mesmo jeito que não acontece nada de especialmente interessante agora, o que você ia fazer?

– Primeiro: você não sabe com certeza se existe ou não alguém que anda pela estrada esperando um atropelamento. Você não conhece todas as pessoas do mundo. Segundo: eu não gosto quando você fala assim comigo. Você passa a impressão de que não acontece nada de legal na minha vida, e que a tua tá sempre cheia de coisas loucas e divertidas acontecendo. Como se você fizesse mesmo alguma coisa muito legal com o teu tempo. Você não faz nada e fica descontando essa amargura em mim. Licença médica no trabalho não devia servir de desculpa pra me tratar assim. Você não devia fazer isso. Machuca.

– Eu não faço isso pra te ofender. E, na verdade, eu não tô usando a licença pra te tratar mal, porque eu tenho mais o que fazer na vida. E tem também que você não pode falar que eu tô mentindo. Não acontece mesmo nada de importante na tua vida, filha. Você tem 19 anos e ainda não sabe nada das coisas. Mas você vai saber, um dia, e nesse dia eu fico conversando com você até às 5 da manhã sem problemas, mas isso outro dia, que hoje eu quero dormir, e só. E desculpa qualquer coisa. Se parece que eu tô brava com você, desculpa. Deve ser o sono. Eu nem tô ouvindo direito o que você tá dizendo, sabe?

– Deve ser o meu telefone, mãe. Já me disseram hoje que tá um pouco ruim de falar comigo, que tá chiando. Eu tentei ligar hoje cedo pro…

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5 Comments

  1. Filhos. Vocês sempre querem escutar o conveniente. Não sabem escutar um não. E juram que o amor que vocês sentem é o maior de todo o mundo. que a emoção que vocês sentem é a maior de todo o mundo. que a aflição que vocês sentem são a maior do mundo. sério, filhos, vocês acham que o mundo gira em torno de vocês. filhinhos, filhinhos…

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Distante das Linhas de Nazca 0 1277

Thiago Orlando Monteiro

Alguns vazios aumentam sempre que tentamos preenchê-los. E geralmente, porque tentamos preencher com algo que não nos cabe, ou no mínimo não nos pertence.

Não há muito que se ver aqui em cima. Menos ainda há o que se orgulhar. O cinzeiro está transbordando de cigarros. Por cima da mesa são quatro maços vazios e mais um pela metade. Tem outro vazio que não dá pra ver, embaixo do sofá, mas isso é sobre outro dia. As latinhas de cerveja entulhavam a mesa de centro até agora pouco, agora só restam sete, as outras estão sobre a pia. São quatro e meia da manhã, não há mais tempo de se arrepender de nada.

O fluxo de ideias vem numa vertente capaz de mudar o curso de um rio. São dois furacões que espalham tudo o que acabaram de criar. Instantes após o caos a calmaria tenta se fazer presente. Mas não. Esse tipo de sentimento não é bem-vindo, não agora. O cartão de crédito transforma a pequena montanha em linhas. Tudo começa novamente. E só acaba um grama depois.

Nossos impulsos ruem nossa integridade. E como costuma acontecer, ruínas geram ruínas.

O nascimento do sol enfim consegue barrar o curso desse desastre natural. A sensatez, rara nessas condições, permite que três latas de cerveja descansem na porta da geladeira. Um banho quente ajuda a relaxar o corpo. Mas agora, nada é capaz de parar a mente. Já debaixo do lençol o coração bate como uma britadeira. O medo da vida toma conta outra vez. É curioso como tudo sempre lembra o seu contrário. Minha maior vontade era de não estar aqui. Perto de tudo o que me corrói e tão distante das linhas de Nazca.

Escrito pelo Gabriel Protski

Ilustrado pelo Tho

Carta a Hunter S. Thompson 0 1213

A temporada de futebol americano ainda não acabou. Ainda faltam bombas. Faltam andanças. Faltam confusões. Ainda falta muita diversão. Que venham mais 67. Mais 17. Que apenas venham. Mesmo que doa. Mesmo que canse. Mesmo que seja obrigado a conviver com o gosto de cloro. Talvez isso não seja plano para mais ninguém. Não importa. Que sigam os jogos, a temporada está só começando.

 


 

Carta de suicídio de Hunter S. Thompson:

“A temporada de futebol americano acabou.

Chega de jogos. Chega de bombas. Chega de andanças. Chega de natação. 67 anos. São 17 acima dos 50. 17 mais dos que necessitava ou queria. Aborrecido. Sempre grunhindo. Isso não é plano, para ninguém. 67. Estás ficando avarento. Mostra tua idade. Relaxe. Não doerá”

 


 

Gabriel Protski