Espaço e tempo; entre ela e eu. 1 675

postado por Rafaé. sim, ele.

Quatro-anos-três-meses-e-oito-dias. Este é o tamanho do tempo que me separa da noite daquela segunda-feira em que declarei ódio por ela. Se é que podemos nos referir ao tempo pelo seu tamanho…

Hoje, impulsionada pelos ecos do ódio declarado, ela veio até mim. Sim, me procurou com a necessidade dos que passaram quatro-anos-três-meses-e-oito-dias buscando uma felicidade substituta.

Como se realmente estivesse disposto a compreender suas atitudes, convidei-a para entrar. Falávamos do calor que fazia como se realmente fosse a coisa mais importante do momento, que tava insuportável, que iríamos derreter, que queríamos um banho de cachoeira, e que a sede estava a ponto de matar.

Subindo a escada, logo atrás de mim, ela imaginava o que diria, logo que eu terminasse de falar. O desconforto brincava com os nossos corpos.

Ao entrar em meu quarto, sentamos na cama. A mesma que abrigou nosso prazer. Hoje, ela mal tem tempo de reconhecer quem passa por ela. O carinho que sucedia o prazer nunca mais repousou ali.

Continuávamos dando importância a banalidades como se realmente estivéssemos interessados. O desconforto dela era cada vez mais visível – o que me dava um inesperado prazer. Seus olhos varriam o quarto com uma velocidade cada vez maior. Aos poucos ela ia percebendo o quanto não fazia mais parte daqui. Afinal, quais corpos haviam sido refletidos pelo espelho ao lado da cama, nesses quatro-anos-três-meses-e-oito-dias?

Sufocada, foi ao banheiro, onde já não havia a escova de dentes (verde) dela. O que havia lá, além da constante umidade, era mais desconforto. Nada ali parecia interagir. Ela agora estava a uma parede, alguns centímetros e quatro-anos-três-meses-e-oito-dias distante de mim. No fundo sabia a razão do seu desespero, mas saber não acrescentava nada e não a distraia.

Lavou o rosto e retornou ao quarto, com a naturalidade de quem ocupa lugar e espaço certos na vida. Sentou-se ao meu lado, anulando o vazio que existia entre a gente. Nossas bocas se olharam, se procuraram, mas não se encontraram.

Fingiu receber uma mensagem no celular, onde um compromisso a aguardava com urgência. Levantou-se pra partir, sem ao menos insinuar o motivo pelo qual veio. Acho pouco provável que tenha sido para comentar o calor infernal dos últimos dias, ou o quanto o cachorro do vizinho havia crescido.

Desci as escadas até a porta, onde ela tentou despertar algum afeto com um abraço desajeitado e desnecessariamente demorado. E com o desconforto da intimidade entre desconhecidos, concordamos: até a próxima. Sorriu um sorriso sem riso, virou-se olhando para o chão e seguiu a calçada até a esquina.

Correu pra casa, onde a esperavam todos os textos escritos pra mim, pensando no dia de nossa reconciliação, quando falaríamos sobre o quão difícil havia sido viver um-sem-o-outro. Sentou-se em frente ao computador e apagou todos eles, sem saber ao certo se sentia algo com isso. Quase duzentos textos, que ninguém jamais lerá.

Deitada na cama, agora ela sabe que o que a aguarda é um quarto vazio e um dia apático como tantos outros. Ninguém a procurará, mas ela não está mais esperando, pois não precisa de mais nada no seu vazio. Sente-se viva como um espelho em um canto abandonado.

Ela, que sempre fora tão solitária, agora vive acompanhada pela solidão. E por saber que ninguém a vê, chora.

Ela sou eu.

Previous ArticleNext Article

1 Comment

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Distante das Linhas de Nazca 0 1269

Thiago Orlando Monteiro

Alguns vazios aumentam sempre que tentamos preenchê-los. E geralmente, porque tentamos preencher com algo que não nos cabe, ou no mínimo não nos pertence.

Não há muito que se ver aqui em cima. Menos ainda há o que se orgulhar. O cinzeiro está transbordando de cigarros. Por cima da mesa são quatro maços vazios e mais um pela metade. Tem outro vazio que não dá pra ver, embaixo do sofá, mas isso é sobre outro dia. As latinhas de cerveja entulhavam a mesa de centro até agora pouco, agora só restam sete, as outras estão sobre a pia. São quatro e meia da manhã, não há mais tempo de se arrepender de nada.

O fluxo de ideias vem numa vertente capaz de mudar o curso de um rio. São dois furacões que espalham tudo o que acabaram de criar. Instantes após o caos a calmaria tenta se fazer presente. Mas não. Esse tipo de sentimento não é bem-vindo, não agora. O cartão de crédito transforma a pequena montanha em linhas. Tudo começa novamente. E só acaba um grama depois.

Nossos impulsos ruem nossa integridade. E como costuma acontecer, ruínas geram ruínas.

O nascimento do sol enfim consegue barrar o curso desse desastre natural. A sensatez, rara nessas condições, permite que três latas de cerveja descansem na porta da geladeira. Um banho quente ajuda a relaxar o corpo. Mas agora, nada é capaz de parar a mente. Já debaixo do lençol o coração bate como uma britadeira. O medo da vida toma conta outra vez. É curioso como tudo sempre lembra o seu contrário. Minha maior vontade era de não estar aqui. Perto de tudo o que me corrói e tão distante das linhas de Nazca.

Escrito pelo Gabriel Protski

Ilustrado pelo Tho

Carta a Hunter S. Thompson 0 1198

A temporada de futebol americano ainda não acabou. Ainda faltam bombas. Faltam andanças. Faltam confusões. Ainda falta muita diversão. Que venham mais 67. Mais 17. Que apenas venham. Mesmo que doa. Mesmo que canse. Mesmo que seja obrigado a conviver com o gosto de cloro. Talvez isso não seja plano para mais ninguém. Não importa. Que sigam os jogos, a temporada está só começando.

 


 

Carta de suicídio de Hunter S. Thompson:

“A temporada de futebol americano acabou.

Chega de jogos. Chega de bombas. Chega de andanças. Chega de natação. 67 anos. São 17 acima dos 50. 17 mais dos que necessitava ou queria. Aborrecido. Sempre grunhindo. Isso não é plano, para ninguém. 67. Estás ficando avarento. Mostra tua idade. Relaxe. Não doerá”

 


 

Gabriel Protski