postado por Rafaé. sim, ele.
Quatro-anos-três-meses-e-oito-dias. Este é o tamanho do tempo que me separa da noite daquela segunda-feira em que declarei ódio por ela. Se é que podemos nos referir ao tempo pelo seu tamanho…
Hoje, impulsionada pelos ecos do ódio declarado, ela veio até mim. Sim, me procurou com a necessidade dos que passaram quatro-anos-três-meses-e-oito-dias buscando uma felicidade substituta.
Como se realmente estivesse disposto a compreender suas atitudes, convidei-a para entrar. Falávamos do calor que fazia como se realmente fosse a coisa mais importante do momento, que tava insuportável, que iríamos derreter, que queríamos um banho de cachoeira, e que a sede estava a ponto de matar.
Subindo a escada, logo atrás de mim, ela imaginava o que diria, logo que eu terminasse de falar. O desconforto brincava com os nossos corpos.
Ao entrar em meu quarto, sentamos na cama. A mesma que abrigou nosso prazer. Hoje, ela mal tem tempo de reconhecer quem passa por ela. O carinho que sucedia o prazer nunca mais repousou ali.
Continuávamos dando importância a banalidades como se realmente estivéssemos interessados. O desconforto dela era cada vez mais visível – o que me dava um inesperado prazer. Seus olhos varriam o quarto com uma velocidade cada vez maior. Aos poucos ela ia percebendo o quanto não fazia mais parte daqui. Afinal, quais corpos haviam sido refletidos pelo espelho ao lado da cama, nesses quatro-anos-três-meses-e-oito-dias?
Sufocada, foi ao banheiro, onde já não havia a escova de dentes (verde) dela. O que havia lá, além da constante umidade, era mais desconforto. Nada ali parecia interagir. Ela agora estava a uma parede, alguns centímetros e quatro-anos-três-meses-e-oito-dias distante de mim. No fundo sabia a razão do seu desespero, mas saber não acrescentava nada e não a distraia.
Lavou o rosto e retornou ao quarto, com a naturalidade de quem ocupa lugar e espaço certos na vida. Sentou-se ao meu lado, anulando o vazio que existia entre a gente. Nossas bocas se olharam, se procuraram, mas não se encontraram.
Fingiu receber uma mensagem no celular, onde um compromisso a aguardava com urgência. Levantou-se pra partir, sem ao menos insinuar o motivo pelo qual veio. Acho pouco provável que tenha sido para comentar o calor infernal dos últimos dias, ou o quanto o cachorro do vizinho havia crescido.
Desci as escadas até a porta, onde ela tentou despertar algum afeto com um abraço desajeitado e desnecessariamente demorado. E com o desconforto da intimidade entre desconhecidos, concordamos: até a próxima. Sorriu um sorriso sem riso, virou-se olhando para o chão e seguiu a calçada até a esquina.
Correu pra casa, onde a esperavam todos os textos escritos pra mim, pensando no dia de nossa reconciliação, quando falaríamos sobre o quão difícil havia sido viver um-sem-o-outro. Sentou-se em frente ao computador e apagou todos eles, sem saber ao certo se sentia algo com isso. Quase duzentos textos, que ninguém jamais lerá.
Deitada na cama, agora ela sabe que o que a aguarda é um quarto vazio e um dia apático como tantos outros. Ninguém a procurará, mas ela não está mais esperando, pois não precisa de mais nada no seu vazio. Sente-se viva como um espelho em um canto abandonado.
Ela, que sempre fora tão solitária, agora vive acompanhada pela solidão. E por saber que ninguém a vê, chora.
Ela sou eu.
Meu Deus,profundo,e eu nem estava lá quando aprendeu a escrever .Dez novamente