Como um ímã 2 618

postado pela  Helen admirável Anacleto, ofuscando o Miss Universo 2011.

Só sentia necessidade de escrever. Tanto porque não o fazia há muito tempo, quanto porque escrevendo, se encontrava, se descobria. Ou não. Escrever era como fugir, projetar, desejar que tudo o que vive ou gostaria de ter vivido não acabasse nunca. Afinal, o fino ofício de dar forma às sensações traz de volta toda a boa e velha nostalgia do que nunca se viveu. Escrever, sentenciava, era como cravar na história o que já se tinha agarrado à alma.

Ouve a mesma música há pelo menos quatro horas. É ela que embala as lembranças do dia, daqueles completos, que teve. Viu e sentiu, juntas, as pessoas mais importantes da sua vida tão próximas de si que mal conseguiu acreditar. Não sabe bem como tudo termina, e já se não importa mais, porque tudo o que precisa está aqui, ali e lá. Sempre esteve. Tudo o que tem de mais seguro sempre existiu e nunca vai deixar de ser. Sente o corpo à deriva e isso já não incomoda: tem se encontrado em cada minuto vivido sob a sua única presença.

Só que, num segundo, já não quer mais se encontrar. Acha que agora é a hora certa pra se perder de toda e qualquer coisa que lhe pareça certa demais. No fim da noite pouca coisa importa, afinal. Se soubesse onde tudo vai dar, faria com que tudo continuasse instável, porque é disso que precisa. Ácido para o coração derreter, se partir em dois, talvez deixar de existir, pra passar a ser um liquefeito obscuro que pertence a qualquer pessoa que conhece e vai conhecer. Pra dividir com o máximo possível de mundo tudo o que tem de melhor dentro e fora de si.

Fecha os olhos e sente saudades, de tudo o que já foi dito e do que não queria ter ouvido. É como se não tivesse vivido nada de nada, nunca. Sorri. Por que diabos está sentindo essas coisas que mal fazem sentido pra si? E essa vontade doida de vomitar palavras até o sabiá cortar a madrugada com o seu canto mais bonito?  A música ainda toca. Ainda mais harmônica e profundamente invasiva. Sente ter muito pouco a dizer. Seria o sentido tão importante pra quem sabe que a vida não tem sentido nenhum, exceto aquele que a gente quer que ela tenha? Agora, não deixa mais a música terminar. Antes do acorde derradeiro, a recomeça ainda e uma vez mais e observa a sensação de angústia diminuir – algum dia existiu? Agora, decide, não vai deixar a música terminar nunca mais.

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Distante das Linhas de Nazca 0 1275

Thiago Orlando Monteiro

Alguns vazios aumentam sempre que tentamos preenchê-los. E geralmente, porque tentamos preencher com algo que não nos cabe, ou no mínimo não nos pertence.

Não há muito que se ver aqui em cima. Menos ainda há o que se orgulhar. O cinzeiro está transbordando de cigarros. Por cima da mesa são quatro maços vazios e mais um pela metade. Tem outro vazio que não dá pra ver, embaixo do sofá, mas isso é sobre outro dia. As latinhas de cerveja entulhavam a mesa de centro até agora pouco, agora só restam sete, as outras estão sobre a pia. São quatro e meia da manhã, não há mais tempo de se arrepender de nada.

O fluxo de ideias vem numa vertente capaz de mudar o curso de um rio. São dois furacões que espalham tudo o que acabaram de criar. Instantes após o caos a calmaria tenta se fazer presente. Mas não. Esse tipo de sentimento não é bem-vindo, não agora. O cartão de crédito transforma a pequena montanha em linhas. Tudo começa novamente. E só acaba um grama depois.

Nossos impulsos ruem nossa integridade. E como costuma acontecer, ruínas geram ruínas.

O nascimento do sol enfim consegue barrar o curso desse desastre natural. A sensatez, rara nessas condições, permite que três latas de cerveja descansem na porta da geladeira. Um banho quente ajuda a relaxar o corpo. Mas agora, nada é capaz de parar a mente. Já debaixo do lençol o coração bate como uma britadeira. O medo da vida toma conta outra vez. É curioso como tudo sempre lembra o seu contrário. Minha maior vontade era de não estar aqui. Perto de tudo o que me corrói e tão distante das linhas de Nazca.

Escrito pelo Gabriel Protski

Ilustrado pelo Tho

Carta a Hunter S. Thompson 0 1212

A temporada de futebol americano ainda não acabou. Ainda faltam bombas. Faltam andanças. Faltam confusões. Ainda falta muita diversão. Que venham mais 67. Mais 17. Que apenas venham. Mesmo que doa. Mesmo que canse. Mesmo que seja obrigado a conviver com o gosto de cloro. Talvez isso não seja plano para mais ninguém. Não importa. Que sigam os jogos, a temporada está só começando.

 


 

Carta de suicídio de Hunter S. Thompson:

“A temporada de futebol americano acabou.

Chega de jogos. Chega de bombas. Chega de andanças. Chega de natação. 67 anos. São 17 acima dos 50. 17 mais dos que necessitava ou queria. Aborrecido. Sempre grunhindo. Isso não é plano, para ninguém. 67. Estás ficando avarento. Mostra tua idade. Relaxe. Não doerá”

 


 

Gabriel Protski