A felicidade que não me deixa produzir 1 656

postado por Rafaé, o arqueólogo da contemporaneidade.

Cansei dessa vida entediante de tanta felicidade. Sorrisos desnecessariamente disparados para todos os cantos, chega. Todo dia uma propaganda nova, ou um esforço pra se parecer interessante dentro das expectativas de outros.

Há dias venho tentando descobrir o que eu faria, não fosse a esperança alheia. Nem mesmo o espelho tem testemunhado minhas vaidades.

Mas é pouco. Sempre procurei fazer mais do que falei, pra dar a oportunidade de me valorizarem no futuro. Mas até este “procurar” foi mais falado do que executado. Aqui estou mais uma vez, falando do que farei(ia).

É que hoje eu tive uma ideia, uma inspiração. Vou finalmente escrever meu próximo – e primeiro – livro. Nada grandioso. Apenas algo diferente do que tem sido produzido na literatura desde que Esopo a fundou, em 2.547 a.C. (antes de Coelho, o Paulo).

Vou começar com uma frase impactante: “Mais difícil do que descobrir quem se é, é admitir e conviver com isso”. Pronto! Desconfio da existência de alguém que consiga abandoná-lo a partir daí.

Esta frase provavelmente será dita pelo protagonista (Cosme ou Damião) diante do espelho, talvez no banheiro.  A partir daí, uma sequência de dias tediosos, onde ele desistirá da vida com sua mulher (Ana ou Anna), uma mulher apática que faria mal feijão e sexo.

Tudo isso eu farei(ia), não fosse a imensa felicidade cotidiana que me atravessa.

Lembro-me de Mariana, que uma vez me disse que parou de escrever ao me conhecer, pois já não idealizava a felicidade. Havia a encontrado comigo. Demorei a entender. E só quando entendi, percebi o quanto éramos felizes.

Mas com o tempo ela voltou a escrever seus lindos poemas. Percebi ali que sua felicidade já não era a nossa.

E hoje, a julgar pela qualidade dos textos atuais de Mariana, ela voltou a amar. Desde então, minha vida se tornou essa constante e entediante felicidade.

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Distante das Linhas de Nazca 0 1269

Thiago Orlando Monteiro

Alguns vazios aumentam sempre que tentamos preenchê-los. E geralmente, porque tentamos preencher com algo que não nos cabe, ou no mínimo não nos pertence.

Não há muito que se ver aqui em cima. Menos ainda há o que se orgulhar. O cinzeiro está transbordando de cigarros. Por cima da mesa são quatro maços vazios e mais um pela metade. Tem outro vazio que não dá pra ver, embaixo do sofá, mas isso é sobre outro dia. As latinhas de cerveja entulhavam a mesa de centro até agora pouco, agora só restam sete, as outras estão sobre a pia. São quatro e meia da manhã, não há mais tempo de se arrepender de nada.

O fluxo de ideias vem numa vertente capaz de mudar o curso de um rio. São dois furacões que espalham tudo o que acabaram de criar. Instantes após o caos a calmaria tenta se fazer presente. Mas não. Esse tipo de sentimento não é bem-vindo, não agora. O cartão de crédito transforma a pequena montanha em linhas. Tudo começa novamente. E só acaba um grama depois.

Nossos impulsos ruem nossa integridade. E como costuma acontecer, ruínas geram ruínas.

O nascimento do sol enfim consegue barrar o curso desse desastre natural. A sensatez, rara nessas condições, permite que três latas de cerveja descansem na porta da geladeira. Um banho quente ajuda a relaxar o corpo. Mas agora, nada é capaz de parar a mente. Já debaixo do lençol o coração bate como uma britadeira. O medo da vida toma conta outra vez. É curioso como tudo sempre lembra o seu contrário. Minha maior vontade era de não estar aqui. Perto de tudo o que me corrói e tão distante das linhas de Nazca.

Escrito pelo Gabriel Protski

Ilustrado pelo Tho

Carta a Hunter S. Thompson 0 1198

A temporada de futebol americano ainda não acabou. Ainda faltam bombas. Faltam andanças. Faltam confusões. Ainda falta muita diversão. Que venham mais 67. Mais 17. Que apenas venham. Mesmo que doa. Mesmo que canse. Mesmo que seja obrigado a conviver com o gosto de cloro. Talvez isso não seja plano para mais ninguém. Não importa. Que sigam os jogos, a temporada está só começando.

 


 

Carta de suicídio de Hunter S. Thompson:

“A temporada de futebol americano acabou.

Chega de jogos. Chega de bombas. Chega de andanças. Chega de natação. 67 anos. São 17 acima dos 50. 17 mais dos que necessitava ou queria. Aborrecido. Sempre grunhindo. Isso não é plano, para ninguém. 67. Estás ficando avarento. Mostra tua idade. Relaxe. Não doerá”

 


 

Gabriel Protski