Casa da praia 0 660

escrito por Petrini, o Dr. Sucesso

Olho para meu relógio novo, que aponta as 12 horas e os 39 minutos. Ele não diz, mas sei que é da noite, porque o dia eu já tive, e este que se vá longe. Estamos na sala de jantar, eu, ela e seus pais. O casal, o mais velho, porque nós não somos bem um casal, se prepara para ir dormir, e percebo que a movimentação toma conta da moça que já vai se preparando para o banho. “Para não acordar grudenta”, como ela explicou. Apresso-me e também vou, afinal a sujeira do outro fica mais evidente quando se está recém banhado. Termino o banho correndo e vou para o quarto que dividimos, no intento de deixar tudo arrumado e surpreendê-la tanto com a ordem quanto com o meu perfume, aquele que ela gosta. Mulher adora este tipo de coisa. Ou pelo menos costumava adorar, porque nos dias que se vão, mais parecem achar que se faz obrigação. Culpa daquelas que queimaram uns trapos de roupas, e deixaram a vida urbana em cinzas. Ela entra no quarto, nota a diferença e agradece com a educação que nem sempre lhe é natural, mas se entendeu a minha intenção, assim não o pareceu. Mulher adora se fazer de desentendida. Mas caralhos, tem coisa mais explícita que dois travesseiros, o meu e o dela, lado a lado na mesma cama? Mulher adora se fazer de desinteressada. Ela olha para mim com desgosto e pergunta como se fosse a mais absurda das ideias “Você não quer dormir junto, né?”. “Não mais”, é o que eu deveria ter dito no lugar da simples negativa que apresentei. Ela explicou que não ia dormir agora, que esperava seus castanhos secarem antes de deitá-los no travesseiro, e enquanto isso ia jogar um pouquinho. O mesmo pouquinho que os políticos roubam, e o mesmo pouquinho que o gordo come além da conta. São estes pouquinhos que ninguém acha que faça falta, mas faz. Para ALGUÉM, sempre faz. Ela pega o mini-game, que com crianças é o sossego das mães, mas com adultos é instrumento alienador e destruidor de lares. Não que alguém fosse admitir isso, mas no fundo se sabe. “Se separaram. Mas também, ele não largava aquele joguinho”, é o que dizem as que são dadas à fofoca. E é sempre culpa do homem. Mulher adora jogar a culpa no homem. E lá estou eu, o culpado potencial, com cara de velho rabugento ao lado da dama com seu joguinho. Fico imaginando as cenas seguintes daquela nossa piada ridícula, mas só de pensar nos poréns, já sei que nada daquilo tem graça. Olho para a escrivaninha e vejo meu nanquim. Mas tão longe, este meu amigo… Difícil é saber quem está mais perto, o meu companheiro de escrita ou moça ao lado, que se vai tão desconhecida quanto o motorista de uma linha de ônibus doutra cidade. Enfim levanto, agarro as notas e começo a escrever. Olho no relógio, o novo, e se passaram uma hora entre o preludio sexual não finalizado e a carta de testamento do nosso amor. Tudo que eu queria eram uns beijos, pra ter certeza que ela ainda me ama, mas agora ela já se deita, virada para o lado e adormecida. Mais uma noite ela ganhou. Mulher adora ganhar.

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Distante das Linhas de Nazca 0 1269

Thiago Orlando Monteiro

Alguns vazios aumentam sempre que tentamos preenchê-los. E geralmente, porque tentamos preencher com algo que não nos cabe, ou no mínimo não nos pertence.

Não há muito que se ver aqui em cima. Menos ainda há o que se orgulhar. O cinzeiro está transbordando de cigarros. Por cima da mesa são quatro maços vazios e mais um pela metade. Tem outro vazio que não dá pra ver, embaixo do sofá, mas isso é sobre outro dia. As latinhas de cerveja entulhavam a mesa de centro até agora pouco, agora só restam sete, as outras estão sobre a pia. São quatro e meia da manhã, não há mais tempo de se arrepender de nada.

O fluxo de ideias vem numa vertente capaz de mudar o curso de um rio. São dois furacões que espalham tudo o que acabaram de criar. Instantes após o caos a calmaria tenta se fazer presente. Mas não. Esse tipo de sentimento não é bem-vindo, não agora. O cartão de crédito transforma a pequena montanha em linhas. Tudo começa novamente. E só acaba um grama depois.

Nossos impulsos ruem nossa integridade. E como costuma acontecer, ruínas geram ruínas.

O nascimento do sol enfim consegue barrar o curso desse desastre natural. A sensatez, rara nessas condições, permite que três latas de cerveja descansem na porta da geladeira. Um banho quente ajuda a relaxar o corpo. Mas agora, nada é capaz de parar a mente. Já debaixo do lençol o coração bate como uma britadeira. O medo da vida toma conta outra vez. É curioso como tudo sempre lembra o seu contrário. Minha maior vontade era de não estar aqui. Perto de tudo o que me corrói e tão distante das linhas de Nazca.

Escrito pelo Gabriel Protski

Ilustrado pelo Tho

Carta a Hunter S. Thompson 0 1202

A temporada de futebol americano ainda não acabou. Ainda faltam bombas. Faltam andanças. Faltam confusões. Ainda falta muita diversão. Que venham mais 67. Mais 17. Que apenas venham. Mesmo que doa. Mesmo que canse. Mesmo que seja obrigado a conviver com o gosto de cloro. Talvez isso não seja plano para mais ninguém. Não importa. Que sigam os jogos, a temporada está só começando.

 


 

Carta de suicídio de Hunter S. Thompson:

“A temporada de futebol americano acabou.

Chega de jogos. Chega de bombas. Chega de andanças. Chega de natação. 67 anos. São 17 acima dos 50. 17 mais dos que necessitava ou queria. Aborrecido. Sempre grunhindo. Isso não é plano, para ninguém. 67. Estás ficando avarento. Mostra tua idade. Relaxe. Não doerá”

 


 

Gabriel Protski