escrito por André Petrini
Semana passada, em uma noite quente como abraço de mãe, acordei sobressaltado por uma questão que me manteve acordado por horas: qual é a cor do infinito? A princípio o pensamento me encheu de culpa, por estar considerando banalidades enquanto sacolinhas plásticas, carregadas de más intenções, destruíam o meio ambiente na calada da noite. Mas que se danem as sacolinhas. Neste momento o que destrói o meu ambiente é a dúvida daquilo que nunca me perguntei. Qual é mesmo a cor do infinito?
Ainda sentado na cama, começo a notar um som de tambores que parece estar ali já há algum tempo, mas só agora me conquista a atenção. Ao passo que o som vai aumentando, consigo distinguir notas dos foles irlandeses, e agora os passos ordenados de várias pessoas em ritmo de marcha militarista, se aproximando cada vez mais da minha janela. Olho para o lado a procurar minha mulher, que não está em seu lugar. Nem poderia, já que estou em uma cama de solteiro. Mas tenho certeza que quando acordei, ela estava ali. A cama de casal, não a Marci… sinceramente não me lembro se Marcela ainda estava lá quando acordei.
Antes que eu pudesse ficar pensando sobre o paradeiro do outro lado da cama, as baterias, foles, gaitas e botas explodiram em versão Sapucaí, até que dois homens muito magros e ágeis entraram correndo em meu quarto, dançando ao passo da música, me pegaram pelos braços e me vestiram com uma roupa muito colorida. Aquilo estava ficando cada vez mais estranho. A roupa era muito mais colorida do que deveria ser e se estou correto, cada membro era representado por uma cor, mas a cada passo que eu dava as cores se embaralhavam, mudando de lugar. Percebi que a roupa dos dois homenzinhos também fazia isso, com a diferença que permaneciam em escalas de cinza, então se eu tinha o braço direito em amarelo e o esquerdo em vermelho, para eles um era 70% preto e outro 30% branco.
Os dois continuavam me puxando pelos braços, correndo por todos os cômodos da casa, dando 3 voltas no quarto, 2 na sala, 8 na cozinha – só agora percebo que eles talvez estivessem com fome -, 1 volta no banheiro, e mais 2 no quarto que agora tinha um berço de madeira no lugar da cama de solteiro. Eu já estava ficando tonto, mas queria muito ver o rosto do bebê que chorava naquele espaço apertado. Na primeira volta passamos perto, mas o móbile pendurado ao teto ficou bem na minha frente, e só consegui enxergar aquelas duas mãozinhas levantadas. Na segunda ficamos um pouco mais afastados, mas tive a nítida impressão de que o pequeno tinha uma câmera nas mãos, e posava para uma foto que ele mesmo batia e sim! Era sim uma câmera, porque logo depois teve um flash.
Quando a câmera abriu o obturador, houve um estrondo que fez a banda lá fora se calar. O flash inundou o ambiente com uma luz branca que cegava tanto, que meus olhos pareciam ter dado voltas ao redor do próprio eixo, e agora olhavam para dentro da minha cabeça. E o que eu via dentro da minha cabeça? Toda esta cena se passando em câmera muitíssimo lenta, mas ao invés de minha casa, estou em um infinito branco, onde todo o ambiente e todos os móveis são brancos. Na hora pensei que aquilo parecia o Mar de Leite do Saramago, em Ensaio Sobre a Cegueira, e instantaneamente todo o chão começou a desmoronar, me fazendo cair, indo em direção ao céu. Era como voar, mas eu estava caindo. Era como cair, mas eu estava indo para cima. Entende?
O que eu sei, é que tudo aquilo durou mais tempo que uma partida de futebol que vai para os pênaltis. Quando eu finalmente parei de cair, dei de cabeça com um navio, também branco, navegando pelo mar de leite sem fim. Embarquei com a ajuda de alguns passageiros – foram precisos muitos deles, porque todos tinham uma das mãos ocupadas segurando seus bilhetes-, até que subi, me sequei e instantaneamente um bilhete apareceu na minha mão. Assustado, joguei para fora do navio, mas antes que fosse levado pela correnteza, reapareceu colado em minha mão. Todo meu esforço em soltá-lo foi em vão, porque quanto mais eu puxava mais ele se grudava, como naqueles truques de mágica. Derrotado por um pedaço de papel, resolvi perguntar o destino daquela navegação a um dos passageiros que assistira deleitado à minha cena patética. “Vamos pro infinito, ué”, disse apontando para o ticket em minha mão. Conferi, era verdade. Falta muito pra chegar?, perguntei. “Já chegou desde sempre”.
E lá estava eu, no meio do infinito branco, decepcionado por não receber uma resposta filosófica, ou mesmo ter encontrado um caleidoscópio mágico que criasse cores em vending machines de 1 nickel. Percebendo a minha cara de criança que ganha roupa no Natal, ele me deu um tapa na cabeça e falou “Ô besta, acorda! Pra encontrar o infinito, não basta olhar pra dentro”. Assim, pegou meus olhos e os desvirou, mostrando o mundo de antes, mas agora diferentemente igual.
…
E então, acha que eu devo parar de tomar refrigerante Diet, dr.?
Não sei se é tão Nonsense assim.
Numa palestra com Milton Hatoum ouvi ele dizendo que a literatura está muito diretamente relacionada com a memória. Não sei pq disse isso, mas achei que viria a calhar.
E novamente, não sei se é tão nonsense assim. Acho muito aplicável nas “pessoas atuais” procurando a cor do infinito dentro de si mesmas…
Só lembrando. A ambigüidade normalmente é voluntária.