Rômulo Candal
Foi uma tempestade daquelas. Enquanto rolava na cama, num daqueles ataques de insônia que de vez em quando o acometiam, viu a janela começar a brilhar. (Um adendo: talvez “tempestade daquelas” não represente exatamente o que se passava: era uma daquelas chuvas em que o vento chora, quase uiva!, e em que o céu pisca como uma luz estroboscópica, como uma grande balada dos deuses.) Instantaneamente, Paulinho se lembrou de várias situações. Afinal, Paulinho era desses que procura significado em quaisquer fenômenos naturais, numa busca por metáforas que representem aquele momento em que ele vive.
Por exemplo: certa vez, Paulinho viu um arco-íris duplo. Arco-íris duplo, cruzando o céu. Aquele foi um momento imageticamente muito importante pra ele. Ali ele decidiu que sua vida era monocromática demais. Só usava preto ou branco (e, eventualmente, tons de cinza). Apareceu no dia seguinte com uma camisa social rosa e uma calça roxa e, no outro dia, com a mesma calça roxa e uma camisa listrada em preto-e-branco. No terceiro dia, usou calças jeans e a camisa listrada em preto-e-branco. E, quando menos notou, estava usando preto ou branco novamente, com eventuais tons de cinza.
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Nesse caso em específico, a chuva significava uma limpeza na alma; uma renovação, sentimento de renascimento. Aquela tempestade era a oportunidade ideal. Era a hora de passar a limpo todo aquele tempo em que protelava. (Pois, afinal, Paulinho era também um procrastinador nato). “Hora de mudar”, pensava. “Hora de ser mais eu e menos os outros. De pesar prioridades e botar em prática tudo aquilo que ando planejando. Amanhã, o mundo que me segure”.
Paulinho acordou no dia seguinte às sete, mas levantou de fato às dez e meia. Mais uma vez, sucumbiu à função “soneca” de seu celular. Mais uma vez, estabeleceu prazos curtos para começar a agir de forma produtiva. E então se lembrou de várias outras tempestades que assistiu e de como, assim como naquela vez, as interpretou como um sinal do grande momento da mudança. Então percebeu que nada, absolutamente nada, mudou. Foi só mais uma tempestade.