postado por Rafael.
Na cama
Impossível não sorrir diante de tamanha tristeza. Foi assim que se sentiu M. ao acordar de seus sonhos. Nem de longe eram os sonhos intranquilos que tantas perninhas deram a seu amigo de outro século. Mas assim como o já dotado do incômodo par de antenas, M. só via segurança sob a própria cama.
Lá ficou. Mesmo que nada a ameaçasse. A casa vazia era algo em torno da mesma ameaça e conforto de todas as manhãs. Mas algo em M. havia mudado, algo que nunca pude saber, pois nunca fui capaz de compreender o que ela dizia.
Ouvia-a mais pela minha própria necessidade de ouvir. Impossível não sorrir diante de tamanha tristeza. Dos inevitáveis sorrisos sem riso, que tão gratuitamente distribuímos por aí. Adeus.
sob a cama
pobre H. eternamente preso ao lado de cima da cama. se ao menos tivesse coragem para abandonar seus confortos, poderíamos caminhar juntos, sem a necessidade de nossas mãos se tocarem. sinto não poder lhe trazer comigo, aqui não podemos viver nada que não seja sincero, nada que não esteja disponível ao todo.
sua ignorância por tanto tempo me cativou, devido ao tanto a ser conhecido, substituído aos poucos pelo medo do todo. como diriam no interior do méxico, entre os que vivem em palácios de outros mundos: patético.
impossível apontar qual desgraça transformou uma criança e suas fantasias em um adulto tão dependente de suas limitações. uma criança que cresceu e não percebeu que seus amores de agora são tão sérios quanto suas brincadeiras na infância. nada deveria ser levado tão a sério quanto nossas vontades. pobre H., que já nem sabe mais dos seus desejos, de onde vem tanta imprudência?
pessoas como H. deveriam ser um cu, um simples cu no lugar de seu corpo inteiro, um cu ambulante, o final de um nada, para que jamais nos decepcionássemos com suas atitudes. mas decepção, eu sei, é uma falta de algo em nós mesmos que, por ironia ou obviedade, não está disponível nos outros.
aqui estou eu, neste universo que tanto me aconchega, pois sou eu, posso mergulhar sem me preocupar com o que vou enxergar ao voltar à tona, porque lá estarei eu, assim como estou aqui, com este azul-quase-preto abaixo e o azul-quase-branco acima.
queria contar pro H. como é aqui, mas não saberia descrever, pois se fosse falar, eu deveria ser honesta, não poderia me entregar ao que imagino, ao que sinto, teria de fazer uma descrição fiel, como jornalistas e historiadores desperdiçam suas vidas defendendo que conseguem fazer.
infinitos como este não se explicam com palavras pronunciadas e ordenadas para serem ouvidas, pois elas são definidas, limitadas. e H. jamais soube compreender as coisas que não são ditas, jamais soube o que pode preencher um silêncio.
pobre H., como pode continuar a viver com um sorriso tão sem graça como o que desfila por aí?, impossível não sorrir diante de tamanha tristeza.
guardando tudo isso só em mim, posso me entregar a universos a partir de uma série de pulsações internas, que às vezes conduzem direito, às vezes não.
Interessante! Gostei de algumas referências.