postado por Rafael.
Noite de terça-feira, nada de grandioso acontece na vida das pessoas e, para algumas, o que era grande já não é mais. Numa mesa de canto no bar do Gota quatro amigos parecem estar numa daquelas noites em que tudo é falar alto, gesticular e rir desnecessariamente. Só perceberia que não é exatamente isso quem olhasse o jovem de vermelho de costas pra parede. Ele não fala, apenas olha, um por um.
Elian foi o último a chegar à mesa, e seu intuito era um só: Léa. Suas falas e atitudes eram inteiramente direcionadas a ela, e funcionavam, pois ela é do tipo que alimentar o ego é prioridade em relação aos outros. É o único caso de cronópio que se converteu em fama (que se tenha notícia por essas bandas). Desde então, não pronuncia frase que não seja em primeira pessoa. Desconhece culto que não o dedicado a si.
Léa chegou por volta das 20h30, mostrou seu cabelo novo e contou uma infinidade de histórias (sempre em primeira pessoa) a seus dois amigos, aparentemente entediados. Uma lástima quando comparada à Léa de outros tempos.
Elian chegou uns dez minutos depois e foi o expectador perfeito, retribuindo com cigarros de tempo em tempo (apenas para lhe tirar da mesa e a ter só pra ele). Cortejava como pontuasse.
Alam chega (como de costume) cinquenta minutos atrasado. Encontra Carlo já levemente embriagado, como é costume entre os que aguardam muito tempo sozinhos em um bar. E conversaram ali, uma meia hora sobre as coisas, não como elas são, mas como deveriam ser, até que chegou Léa e seu monólogo transbordando eus, seguida for Elian e sua busca obsessiva por exercer algum magnetismo nela.
Carlo foi o primeiro a chegar ao bar do Gota, próximo ao momento em que o sol se punha. Embebeu suas angústias em cerveja até que chegaram Alam, Léa e Elian. Seu interesse diminuiu constantemente, até que se despediu e foi embora, deixando um bilhete sobre a mesa, debaixo de um copo vazio, para que algum deles o encontrasse acidentalmente.
Os três foram embora sem perceber o papel, que foi jogado no lixo por Gota ao limpar a mesa.
Na lixeira, virado para baixo, como garantia de que ninguém jamais o lerá, o bilhete dizia:
não é nada
disso, somos a-
penas impressões
de um narra-
dor amar-
gurado.