por Rafael.
Hoje acordei pensando em você. Querendo poder te velar, até que acordasse e eu fosse a primeira visão que tivesse. Queria ser eu o motivo do seu primeiro sorriso, iluminado pelo amarelado do sol das primeiras horas.
Hoje senti uma falta sua, meu filho. Uma saudade qualquer de algo que ainda não sei sentir. Queria eu poder tê-lo em meus braços, e planejar toda uma eternidade juntos.
Lado a lado cresceríamos. Com você o mundo seria finalmente digno de uma vontade minha por um amanhã.
Queria estar agora diante de você para ver seus primeiros passos. Uma mínima distração e você cairia sentado (com as pernas quase cruzadas), como todo mundo um dia cai, já chorando, talvez por pena de si mesmo, e eu já estaria ao seu lado, pois está tudo bem quando estamos juntos.
Queria eu, agora, reconhecer em seus grunhidos um papai, ou até mesmo um te amo (alguns atravessamos uma vida inteira sem ouvir isso). Fecho os olhos e posso tocar sua barriga, suas mãozinhas, seus pezinhos, nos quais eu faço cócegas para encher o mundo de amores ao ver o seu sorriso em gengivas.
Finalmente viria sua primeira independência. Seria obrigado a lhe soltar num mundo em que as ruas ralam, os vidros cortam e as boladas no nariz sangram. Sem contar a eterna dor incurável que um espinho pode causar no mindinho do pé. Por desconhecer antídotos, teria de lhe deixar viver tudo isso, pouco a pouco.
Hoje o sol deu a cara, a temperatura está agradável e é lamentável eu ter que sair da cama, enfrentar o mesmo trânsito de sempre para mais um dia burocrático como fosse uma segunda-feira qualquer.
Ninguém vive as coisas de verdade por aqui, filho. As pessoas não suportam nada por muito tempo. Tudo é muito rápido, quase nada é sincero. Vivemos combatendo as dores de uma vida todos os dias, e esta é a única maneira de se manter vivo. Precisamos de motivos. Mas nessa sua infância, esta realidade não existiria, pois ainda estaria distraído demais com as curiosidades de quem ainda não se fechou para a vida.
Falo contigo, pois não compreenderiam a necessidade que sinto de estar ao seu lado. Estão todos apressados demais para me compreender, entender você. Na verdade, pouco se importam.
Só eu sei que não podemos estar juntos, para te fazer dormir, te dar de comer. Como eu queria poder olhar no fundo dos seus olhinhos e saber que você está bem. Ninguém vê o quanto é ruim que tenhamos que estar sozinhos.
Hoje seria um dia ideal para caminhar contigo até algum horizonte eleito ao acaso, da maneira que nos acostumaríamos a andar em dias ensolarados, te desafiando a soletrar palavras cada vez mais difíceis. p-a-s-s-o-c-a; b-a-l-a-n-s-s-a. Você teria herdado de mim a dificuldade em usar a cedilha, e eu seria o único no mundo a achar grassa.
Munidos de nossos por quês, descobriríamos um novo mundo a cada passeio. Voltaríamos maiores.
Eu me sentiria o maioral das finanças te desafiando com os números. Sete mais onze; dezoito menos nove. Você acertaria todos de bate pronto, e eu jamais lhe ensinaria que o mundo tentaria lhe convencer de que esta matemática é que deve reger os seus dias. Mais trabalho, mais dinheiro, menos conforto, menos vida. O resultado é um só, mas com infinitas interpretações.
O infinito? Eu diria a você que é muita coisa, que você seria jovem demais pra entender, mas com um aperto no peito por saber que provavelmente você chegaria à velhice sem saber explicar a mesma coisa aos meus netos.
Hoje, meu filho, eu queria lhe dizer pra ter paciência, que para estas coisas todas que não fazem sentido, aos poucos você adquire a paz necessária para interpretá-las. As coisas e a vida são assim: aos poucos. Geralmente temos os olhos pequenos demais para enxergar os gigantismos no momento exato do presente.
Mas no fundo eu sei que cometeria o mesmo erro que todos os pais cometem, uma hora ou outra, uns mais outros menos. Quereria eu que você fosse um prolongamento de mim? Alimentaria o meu ego a ponto de querer que alguém olhasse o homem que você seria e dissesse que eu fiz um bom trabalho?
Não me vejo imune a isso, pois já tenho aqui uma pequena lista do que lhe ensinaria. Por isso, filho meu, preciso de você aqui, comigo, só hoje, pra sentir este dia lindo de sol, em que nada me tira desta cama.
Preciso de você, meu filho, para que sussurre em meu ouvido que eu preciso levantar, preciso continuar.
A vida inteira dói, os remédios estão ali, em meio aos livros que eu sei exatamente quais daria para você ler em cada momento da sua vida.
Os remédios estão ali e eu já sei o que fazer. Pena não te ter. Pena não estar aqui para me ver levantar.