por Rafael
Hoje foi um dia como outro qualquer, onde nada aconteceu. Mais uma vez o calor está insuportável. Um calor exagerado, demais pra mim. Talvez amanhã chova e todos sejamos levados embora pela água. Talvez amanhã eu possa contar a alguém sobre o calor ao qual sobrevivi.
São muitos talvezes para um único amanhã, mas ninguém se importa. Talvez amanhã eu esteja mais forte.
Eram três e meia da tarde, mais ou menos, e o calor me venceu. Me vi obrigado a parar à sombra de uma árvore qualquer da praça da catedral. Todos parecem esgotados e entediados em um dia como o de hoje, onde o calor afoga todas as possíveis vozes.
Ao pé da árvore, um homem qualquer. Daqueles que são capazes de atravessar uma vida inteira sem que sejam notados. Cochila. Um sono sincero. Cochila um sono sincero sentado sobre sua vida inteira que coubera em uma única mala. Sua boca aberta mostra ao mundo todos os dentes que lhe faltam. O mundo, uma vez mais, ignorou. Ao lado, deitada, sua companheira das últimas horas, ainda cheia pela metade. Algo em torno de meio litro de conforto ou desilusão.
Uma praça sem um chafariz no centro. Onde já se viu? Uma praça assim faz tanto sentido quanto amantes que julgam terem feito amor na noite anterior, ignorando o fato de que o amor já estava feito muito antes da sua trepada.
A praça desdentada me abraçou. Um abraço duro, incômodo, me fez enjoado, tornou o sol escuro. A luz que queimava a todos era a mesma que insistia em me apagar.
Todas aquelas pessoas vazias, que passavam, que iam e voltavam por não conseguirem estar. Apenas eu ficava, tão invisível quanto a boca sem dentes.
No centro, onde deveria existir um chafariz, um carrinho de sorvete e seu vendedor sem rosto. Logo aparece uma mãe com seu filho, que se lambuzará todo com um picolé de fruta. Uma criança com a cara lambuzada de sorvete. Existe algo mais sincero?
Tiro minhas botas e sinto as meias encharcadas de um suor que não me refresca. Tenho os dedos dormentes. Quem precisa de calçados e calças tão quentes em um dia como o de hoje?
O suor que brota em minha testa é o mesmo que escorre pelas minhas pernas. A boca seca como nunca antes. Me faltam as águas que jorram do meu corpo.
Um pássaro caga em meu ombro direito. Olho e não lhe encontro. Sequer posso lhe xingar, pois sei que este não é o meu lugar. Minha passagem é com pressa, não me posso demorar.
Os sons se misturam. Nada é estático. Carros frenéticos correm sem ter onde chegar. Alto falantes berram os nomes dos próximos vereadores. E eu, vencido pelo calor, não tenho nada além da sombra de uma árvore qualquer.
Já não sei que horas são, o sol continua a me queimar com sua luz ainda negra. As pessoas continuam vazias, e a única coisa que sinto, além do cansaço, é essa merda no meu ombro direito.
Não permita Deus, que eu morra em um dia como o de hoje, onde nada aconteceu.