
por Rômulo Candal
Quando olho pra trás e vejo o filho que nunca tive, a árvore que nunca plantei e o livro que nunca escrevi, me pergunto se cumpri o que era esperado de mim. Minha mãe achava que eu ia ter muito dinheiro, por ser “muito inteligente”. Meu pai sempre acreditou que eu acabaria sendo famoso graças ao meu acordeonzinho mal tocado. E meu avô, do fundo do seu poço de preconceito, só queria que eu não fosse gay.
Curiosamente, o único dos três que teve o desejo atendido, ao menos até aqui, foi o vô.
Não tenho mais muitas pretensões, confesso. O que eu consigo esperar, pra um futuro próximo, é manter meu emprego e continuar me divertindo quando surgem as oportunidades. E, sinceramente, o que mais pode querer um homem? Eu, por exemplo, só gosto mesmo é de assistir filmes, cozinhar e beber com os amigos. Gosto de truco também. E, por sorte, não nasci pra gostar de futebol, porque parece que os ingressos estão cada dia mais caros. Pra esses meus pequenos prazeres eu tenho dinheiro mais que suficiente.
Nunca nem me interessei por viagens muito longas, acho tudo tão desconfortável. Você tem que dormir em camas-muito-duras ou camas-muito-moles, demora pra aprender a lidar com os chuveiros, não sabe quais as taxas do serviço de quarto. Isso se você tiver um quarto. Dormir de barraca, nem pensar. Porque tem areia, aperto, frio ou calor, etc. E também, quem é que gosta de viajar sozinho? É sempre aquela coisa: vá pra um ponto turístico, tire uma auto-foto, entre em depressão por não ter com quem dividir o momento. Pegue um metrô, pra dizer que conheceu o transporte local, troque de ponto turístico, repita a operação quantas vezes forem necessárias. Amigos, tenho poucos, todos com família pra cuidar. Namoradas, nenhuma. E, por deus do céu, jamais viajaria com a minha família novamente (tenho conseguido me manter longe desde os dezoito).
Até que eu aceitaria ganhar um pouco mais, pra poder dar uma ajuda financeira pros meus pais. Muito mais por me sentir em dívida por todos os anos de despesas comigo do que por de fato me importar com eles. Não que eu não me importe, também. Longe disso.
Os dois estão na pior desde que mamãe quebrou a perna num acidente de carro e não conseguiu mais trabalhar. Mas, por outro lado, eles também não são lá de muito luxo: papai sobrevive de cerveja, do pacote do pay-per-view que eu pago pra ele acompanhar o Corinthians e de música sertaneja. A mãe, basicamente, se alimenta de Jesus (o Cristo). A rotina deles tem sido basicamente essa nos últimos dez anos. Cerveja, TV, Zezé di Camargo & Luciano e Jesus Cristo.
Deus que me livre desse fim. Quem sabe qualquer hora eu ganho mais dinheiro com a minha inteligência, ou faço algum sucesso com meu acordeonzinho? E acho que gay eu não vou virar.
De nada, vô.
Foto: Nacho Vegas
No autor deste conto eu sempre acreditei que saberia ”escrever”!!!!!!
Ótimo texto! Me identifiquei do começo ao fim!
E isto porque adora ler deste muito pequenininho quando aos 3 anos surpreendeu todo mundo lendo o Menino Maluquinho em alto e bom som. Parabéns.
Seu texto é bom. Não sei se é você ou um personagem, mas o que senti foi repulsa a esse homem, e ele me fez refletir sobre a mediocridade que cada um carrega no seu dia a dia, na sua vida , por aquilo que fez, deixou de fazer e faz. Talvez devêssemos fazer mais pelos outros, e isso seria fazer por nós mesmos.