por Teresa
Com aquele olhar de quem tentava encontrar alguma verdade que nem eu mesma sabia dentro de mim, ela disse:
– Essa tua inadequação é incurável.
Acostumada com colocações inesperadas que ela sempre fazia, agi como de costume. Apoiei a cabeça na mão direita para suportar o peso do que viria, inclinei o corpo um pouco para frente, a fim de garantir algum conforto, e incentivei a digressão:
– Como assim?
Mesmo que eu não dissesse nada, mantivesse o mais absoluto silêncio, ela continuaria a falar. Quando decidia “dizer umas verdades”, nada a impedia. Então, continuou:
– Você pode buscar onde quiser. Tentar de tudo. A inadequação é tua natureza. Não há emprego que te garanta o estilo de vida que Eles levam. Modelo de família que você possa constituir para parecer com a família que Eles têm. Livros, revistas, blogs ou filmes que você possa ler ou assistir para entender o que, e como Eles pensam. Camiseta de banda que te torne mais uma entre Eles. Deus que você possa inventar para adorar e ter a fé da qual Eles compartilham. Copo, garrafa, engradado de cerveja que te possibilite dialogar sobre o que Eles dialogam.
Comportamentos, gestos ou piadas que você possa aprender para com Eles interagir. Não há, sequer, antidepressivo que te acalme os ânimos e te faça se sentir menos ansiosa para ser, finalmente, um Deles. Essa tua inadequação, como eu disse, é incurável.
– E o que você sugere, então?
– Aceite o teu vazio de potencialidades para ser um dEles. E, então vazia, preencha-se como julgar melhor. Durante o processo, tome cuidado com o tédio que vai te assombrar. Resista. O tédio pode te levar a questionar razões, buscar estímulos. Nesses momentos, sempre pense que o tédio dEles, é igual a qualquer outro. Assim como você, Eles também buscam um sentido. Também sofrem com a monotonia do que são.
Cansada, apago a luz do espelho. Levanto e, cansada, me afasto. Um pouco diferente de antes. Talvez um pouco mais velha que no instante anterior. O tempo tem dessas pressas. Já na cama, cabeça no travesseiro, ela volta a insistir:
– Ouviu o que eu te disse? É incurável. Não adianta.
Fecho os olhos. Amanhã, quem sabe, ela acorde mais otimista.