Um paradoxo suicida 1 749

Não morri dessa vida porque há muito pela frente ainda.

Comprei sapatos novos, mandei encerar meu carro, renovei a matrícula das crianças na escola.

Que sentido tem viver? Ou, pergunta quase igual: e o contrário, vale o quê?

Ninguém sabe

(e acho que nunca vai saber).

Até entrei num consórcio para conseguir a minha casa, que há de ser só minha e de quem eu quiser lá dentro.

Mais uma solução, ou mais um lamento?

 

Marco Antonio Santos

Previous ArticleNext Article

1 Comment

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse pacote não me convence mais 0 1146

Crianças, afastem-se, eu cuido disso

Melhor começar esse show logo!

Que crianças encantadoras!

É melhor você começar isso logo, vamos lá, trompetes e saxofone!

Eu não acredito em instrumentos, a alegria deles é equivalente a uma punição

Calma, calma, a cabeça deles que é um buraco de fezes asqueroso

Não existe pessoa no mundo com a capacidade de cultivar genuinamente feliz esse hábito edificante

Os nazistas nunca conseguirão entrar aqui

Sério? Eu achei que nós éramos os nazistas

Por que os seus amigos são tão sujos?

Sai fora! Por que os seus são tão bêbados?

Com vocês, os poderes do crescimento da hipófise

O que você está lendo, algo sobre cães?

Não, algo sobre meninos perdidos no deserto de Sonora

Só ouvi quando tocaram a marcha fúnebre

Aquela noite foi uma loucura

Será que posso rezar por aqui?

Veja, são os soldados de Deus!

Alguém aqui já leu Levíticos?

Alguém aqui já assistiu “Uma linda mulher”?

Foi assim, perfeitamente

Um tribunal juvenil, uma corte regida por crianças, é uma infantocracia?

Trompetes soando e os saxofones introduzindo um solo novo

Jamais será possível reconhecê-los a partir destas imagens

Um retrato do protestantismo e do revisionismo contemporâneos

Não, nada disso, são textos soltos sobre gente que nunca brigou

Eu apoio os direitos individuais

Apoia porra nenhuma!

Precisa-se de uma babá ou de um general de verdade?

Os dois, e que de preferência saiba jogar Xadrez!

Vamos lá tomar a sopa da sopeira

Lei do ataque sem trégua

Mergulho até as profundezas

De olhos bem abertos

Então você verá

Vai ser perfeito

Pique esconde

White peaks after shift

Three times per week

Me and my Goodfellas

Parece uma boa tentativa

Eu tinha planos, eu ia ser um cara daqueles vidrados

Você sabe como são os homens

Nós temos de ficar lendo isso tudo que está impresso, são muitas horas

Ele vai levantar, espera só um minutinho

É uma honra senhor

Ovelha perdida, é isso aí

Acho que não tem lugar pra mim aqui

Tô meio tremendo

Descobriu quem será o homenageado desta semana?

Você ficará chocado!

A única coisa maior que você é você amanhã

Foi o que disse Bartolomeu pra Homero

Day by day

Ninguém pode tocar neles: são os intocáveis, hihihi

Óh jovens sem rumo, sem censura, sem cabelo suficiente para colorir

Me solte, me solte e saia daqui

Mãe, esse é o seu vestido de casamento?!

Eu odeio ficar neurótico

Leva de volta as que sobraram

Então eu não posso sair todo fim de semana?

Eu já tenho 18 anos!!!! HUUUGRAA!

Chimpanzé xacoco

Eu vou dizer o que ninguém quer ouvir

Chega dessa palhaçada de dia dia

Esse pacote não me convence mais

Você abriu um precedente de testemunho contra todas a pessoas do mundo

Defesa, ataque, são todos amigáveis

É apenas um ritual

Você quer brinca ou não?

Eu gritei: alguém ai está disposto! Porque isso dói, isso dói tanto!

Vai, julgue senhora controladora, só você foi intimidada nesse contexto todo? Acha mesmo

Meu irmão vai ser condenado injustamente

Agora some logo daqui

É hora de ir embora, você não pode realmente ajudar

Bondade é pura covardia

Ei, mas que droga é essa?!

Estão me chamando

Crianças, como eu amo todas elas

Às vezes nem tanto

Eu não conheço bem os apóstolos originais

Apenas aprendi o necessário

Pra dizer a verdade, eu sempre prestei bastante atenção nas aulas

Justiça seja feita

Sem trilha sonora de Star Wars

De que lado você está?

Do lado do meio!

Difícil de acreditar

Eis aqui a verdade sobre um doador de órgãos

Caso encerrado

Espero que você siga a tendência de ser bom daqui pra frente

Em último caso, se torne um herói

Mas não daqueles que acaba com as mãos na cabeça

Que bom, amei essas suas flores na barba

Se eu te disser uma coisa, você diz que acredita?

Ahahahahahaha

Não acostuma, não posso ficar sempre falando que é aniversário da minha avó

Mano, se liga, tem um percevejo vivo ainda!!!

Sério, parei agora, chega desse negócio de meme verbalizado

South America MOTHER FUCKER

Eu tô engolindo muito sapo, óh

O tempo tá acabando

There’s moonlight on the river

Todo mundo morre no final

Deitar-me faz em verdes pastos

Eu rezo todo dia

Talvez essa vez seja a minha

The end

Bj

 

Texto: Jadson André

Ilustração: Caroline Rehbein 

nem sempre as coisas vêm mastigadas como queremos 0 1080

ele encosta o veículo no posto e deixa ligado, vai só comprar cigarros rapidinho.

quando ameaça voltar, repara em três homens, meio-próximos, meio-separados. um velho, um igual ao velho só que novo, e um baixotinho. ele acha suspeito mas prefere não julgar cedo (odeia ser preconceituoso) e segue normalmente para o carro. se aproxima mais e estica a mão para alcançar a maçaneta, e é aí que um deles, o mais velho, traça obstinado uma linha reta em direção a ele. os outros dois cercam, ligeiros.

ele entra o mais rápido que pode e tenta sair com velocidade, não consegue, a primeira não engata, engasga, o motor morre. ansioso demais para acertar o tempo da embreagem. tenta abrir a porta com força, na esperança de afastar o velho com a pancada, mas o esforço é inútil e o (agora inevitável) inimigo segue estático, impassível. gentilmente, o senhor segura a entrada do motorista, enquanto os outros dois entram nas portas traseiras. até ali, ninguém diria que um carro com acessibilidade aprimorada poderia ser um problema.

o baixotinho, sentado logo atrás, encosta algo no pescoço dele, que já sente a cutucada. solta um ‘ai’ baixinho e entende que resistir talvez não seja uma boa. enquanto isso, o mais velho dá a volta e senta no banco do passageiro e começa o diálogo.

 

– oi.

– o que vocês querem?

– calma: oi.

– eu não tenho nada.

– amigo, se acalme.

 

ele tenta se acalmar.

 

– por favor. eu não tenho nada.

– amigo, cê não mora três quadras aqui pra cima?

 

mora. hesita mas confirma.

 

– moro sim, como você sabe?

– cê não fez uma cirurgia recente nesse joelho direito aí? ligamento cruzado, né?

 

de fato. era ligamento cruzado. faz que sim com a cabeça.

 

– teu filho mais novo não se chama Enzo e tem um lhasa apso chamado Jake?

 

chama. tem. ele se assusta com a quantidade de informações e gela.

 

– não foi você que fechou um negócio bem legal com uma certa empresa de computadores em Dubai porque transou com o representante comercial dela?

 

aí ele estremece e não consegue dizer mais nada.

 

– então, acho que é você mesmo que a gente tá procurando. tô sabendo bastante, né? isso aqui não é assalto não, amigo. relaxa aí, dá a partida no carro e pega a estrada em direção a Ponta Grossa. logo você entende.

 

ele faz como o velho manda e, ao arrancar, repara de canto de olho num movimento curioso, quando aquele que é igual ao velho só que novo dá um apertão carinhoso no ombro esquerdo do senhor. com certeza são parentes, pensa, enquanto toca para os Campos Gerais.

infelizmente, passam-se meses até que ele entenda.

 

 

 

 

por Rômulo Candal

fotografia: r.penrose via Compfight cc