Bernardo Staut
E então você chega à porta do conhecimento que diz que você não precisa fazer nada, tudo acontece por si só, como o moto perpétuo infinito universo que se refaz a cada segundo, e você como parte disso precisa fazer o quê? Aliás, não só faz parte, mas pense no fim do fim do fim disso que chamaram corpo e que no fim é formado por exatamente a mesma coisa que tudo e todos e todos os pensamentos traumas problemas bênçãos e milagres, tudo que um dia você leu ouviu falou ou fez, ou fizeram ou vão fazer, e é exatamente isso e só isso que forma você. E na música que toca por traz de tudo isso, você como um da orquestra, tocando devagar ou rápido, errado ou certo, mas ao mesmo tempo o que vibra de você é o que faz o maestro que guia, e também o teatro e a própria música, a vibração. E vão-se anos e anos e sessenta mil milênios e você vai continuar fazendo a mesma coisa, só com um nome diverso. Até o momento que algum dos músicos de fraque ou alguém da plateia que antes dormia em alguma parte monótona acorda, levanta e grita para todos “eu sou a música, pode parar tudo”. Todos se voltam para vê-lo, mas ele não está mais lá… Pra que ficar pra ver a mesma música? Ele saiu para cantar nas ruas provavelmente, ou simplesmente pulou do segundo balcão ou camarote que estava, caindo de cabeça no contrabaixo que não parava nunca de emanar a vibração mais baixa, mais inaudível, aquela para poucos. Ninguém dá muita bola, mas talvez um vá lá para procurar o corpo, que já se dissolveu no som e virou outra tábua da antiga casa. Só resta uma mancha da queda, não de sangue ou carne, mas um borrão, um estilhaço, um pouquinho de poeira. Para lembrar esse ouvinte que esqueceu das regras o ser coloca uma pedra por ali, que mais tarde será empilhada com outras, formando talvez um novo camarote. E teatros após teatros, pó sobre pó, a música toca, alguns dançam, alguns se emocionam, e no fim ninguém sabe bem quem é o compositor, mas que escolha tem? Quem escolhia as músicas já saiu de férias faz tempo e a programação já está em cartaz.