por Rômulo
A pouca luz que entrava pela janela mostrava uma textura listrada naquele teto que era, pelo jeito, de gesso – bem diferente dos dois ou três tetos que conhecia de cor. Luisa tentou contar de cabeça a quantidade de tetos não-familiares a que foi apresentada nos últimos dez meses mas não conseguiu: eram muitos. Preferiu lembrar-se dos três.
O primeiro teto que de que Luisa se lembrava era o do quarto em que viveu até os doze anos, o ano em que sua mãe morreu. O forro era de madeira, mas a cor verdadeira sempre foi uma incógnita, pois ele era inteiro pintado de um rosa bem suave, assim como o resto do cômodo todo. Lá ela tinha o conforto do aconchego, do carinho, do abraço apertado que dona Maria Luisa lhe dava toda noite antes de ajeitar a coberta da filha, do “dorme bem, te amo” que a mãe dizia antes de dar um beijo na testa da menina e fechar a porta do quarto. Esse teto, tinha certeza, estaria para sempre em sua memória. Lembrar da mãe lhe trazia um sentimento nem de dor nem de alegria, uma pureza que inundava o coração e transbordava pelos olhos.
Havia também um teto todo colorido, cheio daquelas estrelinhas adesivas que brilham no escuro. A esse Luisa se acostumou durante os dois anos que viveu na Argentina, na casa da tia que a acolheu tão carinhosamente quando sua mãe faleceu. Era o teto de um quarto que, apesar de bastante grande, não oferecia lá muita privacidade, uma vez que o dividia com suas duas primas mais novas. Foi uma adolescência complicada, sem um cantinho onde ela pudesse ficar totalmente sozinha, mas ela nunca reclamou. A tia havia sido muito boa com ela e essa divisão de quarto, ela sabia, era coisa passageira. Quando voltou ao Brasil, seis anos mais tarde, Luisa até sentiu falta das estrelinhas, por algum tempo. Tinha se apegado à posição de algumas constelações que ela mesma tinha inventado, a partir da disposição aleatória dos astros de papel brilhante.
Até que chegamos ao outro teto que Luisa conhecia de cor, o terceiro deles. Era o do quarto de Renan. Desde que ele a deixara, ela tentava, sem sucesso, encontrar em vários cômodos diferentes o conforto que sentia quando olhava para o teto de madeira crua, de um marrom-quase-bege-de-tão-clarinho, quando os dois acordavam, se abraçavam e, mirando sempre o teto, contavam um para o outro os sonhos que tiveram, os planos para o dia, os sonhos que ainda tinham, os planos para a vida. Também era muito confortável, de um jeito diferente. Trazia o alento do porvir, da vontade de viver aquele amor até quando se tornassem dois velhinhos, acordando abraçados.
Hoje nenhum desses três tetos existem na vida de Luisa. Esse teto (pelo jeito, de gesso) que ela fitava, sem pressa, enquanto divagava, nem de longe abraçava sua alma do jeito que os outros três faziam. Mas era o que havia para hoje e, do que se há para hoje, nunca se deve reclamar. Segue a busca por um teto que volte a lhe confortar. Mais uma noite, mais um teto não familiar.
Conheço poucos tetos, se isso é bom ou ruim, nao sei…
Maravilha de texto…parabéns !
Giro, muito giro. Bom, não sei se foi inconsciente (acredito que não), mas você lembra que existe um capítulo do Evangelion que carrega esse mesmo título? “An Unfamiliar Ceiling”…
Doido ver como essas coisas que víamos e liamos na nossa infância/juventude realmente formaram o que somos hoje. E digo isso por que essa frase, ‘um teto não familiar’ sempre ficou presente na minha cabeça.. acho a ideia muito forte. Mas ao contrário de você, que te uma fluência maior nas palavras, resolvi fazer outro projeto com essa ideia. Nessa última viagem foi muito evidente os ‘tetos não-familiares’ que encarei, só no camino foram 32 tetos diferentes. Eu comecei um projeto de fotografar todos os tetos por onde dormi, ou melhor acordei, por que acredito que eles são uma das melhores metáforas de uma viagem.
Curto muito essa nossa sincronia que volte e meia se evidencia confirmando muitas coisas que penso.