Ela era nova na companhia. Olharam-se durante um evento protocolar, de trabalho. Aproximaram-se durante o coffee break de depois da palestra, no qual comeram quitutes que ninguém consome normalmente enquanto ouviam reflexões pouco aprofundadas sobre “o momento do mercado” e as “oportunidades que a crise abriu pra área”, ou sobre “o perfil do executivo que o mundo de hoje exige”, “a Exame que acabou de sair” e “os problemas que as Crianças Índigo podem enfrentar na vida” ou teorias sobre a “geração Gama”, ou beta, ou millennials, ou X ou Y ou Z. Antipatizaram um com o outro de início, mas sem confessar. Conversaram, no entanto. Riram. Disseram que odiavam mais ou menos as mesmas coisas. Interessaram-se. Foram embora. Sentiram falta. Acionaram colegas que tinham os contatos “daquele cara de camisa azul que chegou atrasado” e “daquela coisa fofa de vestido, com um negocinho vermelho no cabelo”, cada um com o próprio método para fingir casualidade. Ela ligou do escritório para o ramal dele, em outra filial, e gostou. Ele gostou ainda mais, apesar de ter fingido que estava tudo normal, como se aquele tipo de situação acontecesse pelo menos uma vez por semana. Conversaram na internet para marcar programa a dois. Saíram e riram mais, dos mesmos temas. Criaram piadas juntos e começaram a desenvolver uma lógica própria de conversação, a partir da compreensão e do apreço pelos ritmos de fala que cada um praticava. Aproximaram-se. Beijaram-se. Constrangeram-se positivamente. Foram embora, cada um para a própria casa. Pouco depois, enfim, conheceram-se o bastante para concluir: reconheceram-se.
Hoje. Almoço. Ela disse:
– Passuazeite.
Ele passou sem dizer palavra, como sempre.
Marco Antonio Santos
Cara, gostei muito! Adorei as descrições de temas de conversa. Muito possível. Amor possível. Um recorte rico de uma história de amor recente. Demais!