por Rafael
Pode parecer tarde demais, ainda que eu duvide que o presente possa estar atrasado em relação a alguma coisa. Renunciar ao que dedicamos a vida inteira pode parecer desperdício de todo o passado, mas estas linhas são as últimas que escorrem de mim.
Gastei meus dias, um a um, buscando me encontrar através das palavras e o que tenho hoje são papéis e mais papéis rabiscados, além de um vazio cotidiano que não me preenche.
Dia após dia me escondi e reservei o melhor de mim às frases. Verbos guiavam sujeitos em uma busca desesperada pelo direito a um adjetivo qualquer.
Reservei minhas paixões mais violentas para os livros e aqui estou, diante de milhares de páginas desconexas, que já não me dizem respeito.
Algumas poucas pessoas tiveram acesso à minha intimidade, mas resisti. Resisti e blindei possíveis cumplicidades.
Noites em claro buscando descrever o abstrato e acabei por sufocar minhas próprias paixões. Deixei para amanhã.
Trago na memória uma relação (não muito longa) de amores-não-vividos, que por muito tempo me bastaram, me convencendo de que bastaria que os descrevesse. Gozava nas entrelinhas.
Tudo passou. Os sequer-amores, as linhas, os verbos, os sujeitos. Restei.
Por isso me encerro-só nestas linhas, mas não para viver. Apenas para me entregar. Me retirar.
Já não possuo forças, sequer vontades de outrora.
Tento me convencer da sinceridade que apliquei em minhas opções, que me trouxeram a este não-lugar.
Deixei um pouco (mas muito pouco) de mim em cada interação, em cada palavra. Sei que jamais terei certeza de possíveis acertos em minhas decisões. As escolhas simplesmente são, acontecem. Nós é que as classificamos como certas ou erradas de acordo com os frutos colhidos.
Por isso, aqui me encerro. Já sem muito ao que me entregar, já sem me reconhecer nestas linhas que me sequestram de minha própria existência.
Às dores e sequer-amores que me consumiram, a eterna gratidão. Foram os sentimentos que mais tiveram de mim.
Ainda assim, se tornaram linhas escritas. Ficando em um passado que, ai, jamais alcançará o amanhã.
Assim como eu, que me encerro no vazio deste ponto final.