por Jadson
Os estúdios estavam vazios naquela tarde. As equipes de Tv todas na rua, gravando em parques, em favelas, enquetes em praças, comportamento, compras, fofoca, o mundo e suas insignificâncias. Monitores de computador com tela apagada. Televisores gigantes presos às paredes, ligados em todos os canais abertos. Fresnéis pendurados no forro preto. A bancada de onde os apresentadores leem notícias no telepronter está no escuro.
Hoje é domingo, nenhum programa ao vivo vai ao ar. O desenho animado e os quadros gravados sustentam a audiência com braços fracos. Impedem que fique no traço e entretêm uma meia dúzia de pessoas que não vai ao parque, que não vai ao shopping, que não tem piscina, que não tem nada, apenas a caixa preta na sala de estar, tela chiada de quatorze polegadas em cima da cômoda de madeira mal vernizada. Apenas um computador está ligado dentro daquela redação à meia luz. O mundo ali dentro é outro. Não há ruas, não há dia ou noite, não há rastro humano, há tão somente um lampejo de realidade. Tudo se imagina.
O produtor solitário, o folguista que cuida da programação, que guarda as mesas de edição contra eventuais casos de pane, mais parece o artista da fome de Kafka. Seu definhar vagaroso é entretenimento. Sua imaginação barata, sua falta de criatividade é o que alimenta uns poucos olhos semicegos por uma catarata magnética. Não passa de um mercenário que ganha com as cenas tristes, com o Pica-Pau e suas caracterizações de demônio com charuto na boca, acendendo com o dedo. – Quantas crianças já não torraram o dedão da mão direita depois de assistir uma merda dessas, pensa o folguista.
Espreguiça-se na cadeira de couro preto enquanto bate-papo na internet com uma garota que, assim como ele, está imersa em um poço de tédio profundo. Mesmo o conhecendo somente por uma minúscula foto de perfil eletrônico, transaria a tarde toda só pra sentir o gosto de suor sexual, gosto que fica no ar por horas.
Ao redor do mundo existem pelo menos outros cinquenta mil casais fazendo a mesma coisa, exatamente naquele instante. Nutrem seus cérebros com expectativas, fantasiam coisas inacessíveis, prazeres confinados, masturbação biônica ao som de ‘Indo Silver Club’ dos robôs luso-franceses que ganharam o último Grammy Awards. Produção em massa, televisão para todos, sexo com gosto de puberdade. Os dedos só não pegam fogo nos teclados pretos, de signos brancos, por causa do ar-condicionado. Uns quinze graus, contra trinta e dois lá fora, debaixo do sol.
A garota enfim tira a roupa. Mostra os seios, coloca o notebook nos pés da cama e abre as pernas na direção da pequena webcam, na parte de cima do monitor. Enquanto ela massageia os lábios o folguista solitário acaricia com leveza o pau por cima da calça. Permanece incólume, seu ar de obviedade inibe qualquer chance de alguém pegá-lo em flagrante. Mais alguns minutos de sexo virtual e ele começa a ficar tenso, porém, decide não parar com aquilo, mesmo com a eminente chegada de outras pessoas. São quase seis horas, os editores devem estar a caminho. Vão preparar as reportagens do jornal de amanhã, que vai ao ar bem cedo. A tela é um mundo plástico onde nada penetra, apenas se espalha, se autocopia.