por Rafael
A vida muda, muda e minha força não se faz valer. Uma nova perspectiva e volto a ser o pequeno indefeso de anos atrás.
Dias, anos, em busca de ser, convicto de que chegaria a algum lugar, e agora obrigado a admitir que sempre estive a caminho de lugar algum. Pilotando uma transformação desnorteada, à deriva em um mar desconhecido.
Ainda que tenha gastado grande parte de minhas forças em negar, alegando uma convicção qualquer, tudo sempre escorreu com o tempo.
Escrevi uma vida inteira sem saber ao certo o porquê. Poucas vezes tive certeza de minhas linhas. Não sei ao certo por que me escondi tanto tempo atrás das letras. Talvez na esperança de que elas sobrevivessem à minha morte. Bobagem.
Nada é imortal, sequer as palavras escritas. Esse nosso-mundo-inteiro um dia será engolido pelo mesmo sol que nos aquece hoje. Todas nossas histórias e construções serão consumidas. Eu, você, nós. Tudo será nada. Sequer lembranças irão restar.
Certo disso, sigo com um coração envenenado pela indiferença. Já esquecido pelo mundo.
A vida segue como eu jamais houvesse existido: os carros continuam a rosnar uns para os outros, as pessoas continuam a se evitar, o sol continua a nascer e as estrelas a gritar, e apenas alguns a perceber.
Poucos têm tempo para ver a vida acontecer.
Talvez a vida tenha sido sempre isso: uma sucessão de eventos maravilhosos e desastrosos que engolem a gente a todo momento. Algumas vezes estamos mais sensíveis e nos deixamos contagiar.
Dificil-
mente
temos
tudo a
tempo.
O que tenho agora é uma visão noturna da minha janela. A mesma perspectiva dos últmos já-não-sei-quantos-anos. Muita coisa mudou, mas a madrugada continua a mesma.
O cheiro de tabaco sempre me visita. Jamais soube quem é o vizinho insone que fuma insistentemente em alguma outra janela de solidão.
Queria eu uma companhia agora. Pra tragar, beijar, apanhar. Uma interação que fosse. Algo ou alguém que reagisse às minhas pulsações. Meus gestos.
Em algum momento esqueci que a vida é a eterna transformação. E que quando nos esforçamos em negar isso, perpetuamos nosso sofrimento.
Sigo aqui, mergulhado em uma solidão que é mar para toda a tristeza que escorre pelos rios da alma, enquanto espero por algo que me convença a desprender do passado.
Afrouxar a corda que se ajusta em meu pescoço a cada certeza de que jamais conhecerei a verdade sobre o que não vivi.
Espero um retorno, uma chegada. Algo que devolva a força. Não uma qualquer, mas aquela que nos mantém em pé. De olhos no céu para perceber as estrelas gritarem, o sol se pôr e, com uma piscadela, deixar combinado que amanhã tem mais.
de certa forma me sinto menos só