
por Murilo
– Eis você aqui novamente. Não cansa de mim?
– Desculpe, eu gosto de você, sabe. Acho que me faz bem.
– Eu não sei. Sinto que você me preenche. Mas volta e meia vem com as mesmas histórias, as mesmas lamúrias. O que você espera que eu faça? Que eu mude alguma coisa? O que foi já foi. Um ponto final faz passado tudo que existe antes dele.
– Eu entendo, mas não posso evitar, sabe. Quando tudo me falta é você que continua aqui, à minha espera.
– Eu estarei sempre aqui, você sabe. Mas será que isso é mesmo bom para você? Às vezes acho que você coloca sobre mim todas as suas esperanças.
– Acho que sim. E sei o quão ingrato isso pode ser. Tenho consciência de que isso pode não dar em nada. Coloco meu coração na ponta desta caneta, na esperança de que alguém lembre do que a gente já viveu.
– Da nossa história só a gente sabe, meu querido. Você acha que mais alguém realmente está interessado no que dizemos um ao outro? Você não sabe nada.
– No fundo ainda imagino o dia em que alguém vá descobrir o valor dessas linhas sem valor. Um tanto utópico, eu sei.
– Ninguém realmente se importa, você sabe disso.
– Alguns se importam. E acho que são esses que me mantém vivo. Por esses poucos eu acabo sempre voltando aqui.
– Por que você não me larga e vai viver sua vida? Tem coisa mais interessante por aí. Olha, tá rolando jogo da Copa. O que está fazendo aqui? Que tipo de pessoa é você?
– Fico surpreso em você me perguntar isso, com quem me abri tantas vezes. Se você não me conhece, tenho certeza que nem eu mesmo me conheço.
– No fundo é a mesma coisa, meu bem. Eu sou você por escrito. Sou seu reflexo num espelho de papel. Seu alter ego. Conheço sua força e suas fraquezas, os anjos e os demônios. Mas se não pode me largar, por que então não fica apenas comigo?
– Você não me basta. Eu seria recluso como um Lobo da Estepe. Já leu esse?
– Só conheço os seus garranchos, meu bem, e de mais ninguém.
– Ah, é verdade. Uma pena. Imagine quão glorioso ser o caderno de Hesse. Se fosse você, eu teria inveja. Mas, se quiser, um dia posso transcrever alguns trechos aqui.
– Talvez já os tenha transcrito, disfarçados de suas palavras, e nem saiba.
– É, talvez.
– Você vai postar essa conversa no blog, meu bem?
– Sim. Não vejo sentido em deixá-la apenas aqui. É como se arrumar na frente do espelho quando você não vai sair de casa. É hipocrisia dizer que eu só escrevo para você. Se você é meu alter ego, então o ego eu carrego na ponta da caneta.
– Você escreve para se encontrar.
– Sim. Mas no fundo a gente sempre deseja que mais alguém nos encontre. E além disso, você não é a porra de um diário pra guardar lamúrias. O que cai aí vira literatura mais cedo ou mais tarde.
– É verdade.
– Aliás, acho que por mim toda lamúria devia morrer numa mesa de bar ou virar literatura. Imagina se aquelas indiretas do Facebook fossem tão bem aproveitadas assim? Acho que eu vou lançar um movimento.
– Não ia dar certo. Seria má literatura. Só chororô. E nem todos têm sua habilidade com as palavras.
– Haha, desse jeito meu ego não vai caber nas suas folhas.
– Desculpe. Haha. Mas voltando… acha que alguém vai ler o post até o fim?
– Eu não sei. Acredito que alguns vão, sim. Mas isso é a cereja do bolo. O que realmente importa é que depois de conversar com você eu sempre me sinto melhor. Uma pena que este bem-estar dure tão pouco.
– Não se preocupe. Sempre que precisar eu estou aqui na sua cabeceira. Você sabe.
– Eu sei. Obrigado, meu querido. Agora vou dormir.
– Tudo bem. Boa noite.
– Boa noite. Durma bem.
Ilustra: Simon Rankin via Compfight cc
“Eu sou você por escrito. Sou seu reflexo num espelho de papel. Seu alter ego. Conheço sua força e suas fraquezas, os anjos e os demônios. Mas se não pode me largar, por que então não fica apenas comigo?”
Uau!
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