
Ônibus é foda, né, cara – ele começou.
Está segurando uma criança no colo, uma menina que tem no máximo dois anos, e que dorme como dormem as crianças. Oi?, perguntei. Ônibus é foda, porque é só você precisar, que nunca vem. Pois é. Começamos esta conversa. Eu não tinha nada para fazer, e ele também não. Ainda mais foda porque tenho que levar essa coisinha, e apontou com a cabeça para o bebê, pra casa da filha da puta da mãe dela. Eita. Tenho que ir até o Capão Raso agora de Interbairros pra levar ela pra casa da louca. Vocês são separados? Aham. Faz um ano e pouco, bem pouco depois que ela nasceu a gente separou. Entendi. Mulher é foda, né, cara? E é, né. Mas é bom. Ah, é bom, é bom, mas é foda. imagina: a louca quer que eu leve ela pra casa dela agora, até as três, só pra foder com o meu sabadão. E amanhã é dia dos pais, cara! Vou passar sem essa aqui, e apontou novamente com a cabeça, que é a única coisa importante da minha vida, mas eu levo porque não quero me complicar com juiz, né? Então eu levo, tudo bem. Mas é ruim. Peguei ela hoje oito da manhã, e a minha ex-mulher queria que eu levasse ela de volta de táxi! Imagina! Não é porque eu não quero dar conforto, mas é que é longe, né? Sim, o Capão Raso é do outro lado da cidade. Pois é! Imagina! Uma vez eu fui pra lá de táxi, e deu R$ 60. Caramba, é caro mesmo. Não sabia que dava esse tanto daqui até lá. É, né. mas às vezes o cara deu volta e eu nem percebi, porque não conheço nada praquele lado. Foda, né, cara. E o que que é o negócio do juiz que você comentou? Daqui uns vinte dias tem audiência por causa da guarda dela, e eu vou até aceitar o que a mãe dela pedir, entendeu?, mas vou pedir umas coisas também, que do jeito que tá não dá. Só tô vendo ela de quinze em quinze dias, sabe? Tô dando quatrocentão de pensão, mais o plano de saúde, que dá mais uns cento e pouquinho, mas tá foda ver ela tão pouco. Se der pra ver ela todo fim de semana eu prefiro. Tô mudando de emprego, vou fechar umas contas, e aí consigo dar mais pra ela, mas preciso de uns quatro meses pra deixar tudo acertado. Só sei que não dá pra passar tanto tempo sem essa coisa aqui. Pois é, eu não tenho filho, mas acredito que deve ser difícil mesmo. A menina acordou, olhou bem para a minha cara, olhou para a cara do pai, e deitou de novo no colo dele. Que linda que ela é. Eu te falei! Linda mesmo, né? É mesmo. Mas acho que a mãe dela quer voltar comigo, esse que é o negócio. Ah, é? Eu acho. Ela se faz toda, briga, me xinga no telefone, mas a gente nem brigou muito quando se separou, sabe? Eu não tava entendendo porque que ela briga tanto comigo, me humilha, fala mal pros nossos amigos, essa coisa toda. Eu não entendia, mas acho que é porque ela quer voltar comigo. Sério? Pois é. Quem desdenha quer comprar, né? Deve ser. E você, quer voltar com ela? Ah, eu também falo desse jeito, mas é só porque eu fico louco por causa da minha filha. Eu gosto dela. Legal, cara. Talvez vocês voltem mesmo, né? Mas não precisa ofender ela desse jeito. Eu sei, eu sei. Só tô falando pra você, porque daqui a pouco a gente nunca mais vai se ver, né? Talvez não mesmo, mas vai saber. Você pega a bolsa com as coisas dela aqui do meu lado? Não consigo esticar a mão pro ônibus, pra segurar ela e pra pegar a bolsa ao mesmo tempo. Ri sincero. Claro, claro, respondo, rindo junto.
Entramos no ônibus. Deixo sua bolsa no banco ao lado do que ele senta, e a menina faz um movimento preguiçoso para trocar o ombro do pai em que está deitada. O motorista sorri ao vê-la, tal como a cobradora, que tem cara de mãe.
Marco Antonio Santos
Homem é foda, cara.
Oh, se não é!! Essa é apenas uma das razões pelas quais as mulheres são muito mais interessantes.
ahahahah…por isso que tô fora!