
Cheguei no posto de gasolina com a minha mulher e pedi para o frentista me dar a chave do banheiro. Ele me olhou meio torto, porque estava falando alguma merda sobre escapamento de carro com o outro frentista, mas aí me respondeu que não precisava de chave, que a porta era aberta mesmo e que o banheiro era do lado da plataforma. Pedi pra colocar cinquentão de gasolina normal, que já está cara demais, e fui. Minha mulher foi pagar o combustível no débito na loja de conveniência, e fui até o banheiro, torcendo para que não estivesse fedendo demais. Esqueci de pedir para ela comprar uma água com gás para mim, mas ia ficar para a próxima. Uma moto barulhenta passou voando pela rua, e os dois frentistas idiotas comemoraram. Já fui mais desse tipo de coisa, de carrão, de motona, de motor, desse tipo de bobagem. Hoje sou mais de pagar minhas contas, fazer bem para quem me ama, e o resto que se foda. Como é bom envelhecer.
A porta estava trancada, e aí fiquei em primeiro na fila, louco para que quem quer que estivesse dentro fosse rápido, porque eu estava me mijando nas calças. Um cara se aproximou por trás tomando um vinho vagabundo, e me perguntou se era a fila. Claro que era a fila, e ele não perguntou para eu responder, mas sim para avisar que também estava esperando, e que também queria que eu não demorasse quando entrasse. A gente só percebe as partes importantes depois. Ouvi uma música dentro da loja de conveniência, mas não tenho certeza do nome. Já ouvi várias vezes, toca até na novela das nove, que eu vejo todo dia, mas finjo que não gosto e que só estou vendo para acompanhar minha mãe, mas mesmo assim eu não sabia o nome da música, nem do cara que canta. Aliás, não sei até agora. Deve ser aquele imitador do Zezé de Camargo, aquele tal de Eduardo Costa, ou sei lá. Vou comprar o CD da trilha sonora, jogar num pendrive e ouvir andando por aí, que aí não esqueço. Lembro que foi bom ficar pensando na música, porque aí eu esqueci um pouco do frio e da minha vontade de mijar logo. O cara do vinho disse “Friozão, né?” e eu respondi “pois é!”, porque estava mesmo muito frio. Ele estava sorrindo quando eu virei para olhar, e fiquei um pouco irritado com isso, por algum motivo, mas ainda assim dei um sorriso meio simpático, não sei por quê. Um sorriso a mais nunca acabou com meu estoque.
O filho da puta que estava no banheiro devia estar cagando, porque estava demorando mais ainda. Quanto será que é o tempo médio para um cara mijar? Trinta segundos? Um minuto? Ou ele podia estar cheirando pó ali dentro, mas aí acho que eu ia ouvir. Não que eu estivesse prestando muita atenção, mas começou a me incomodar. Para gastar o tempo, virei para o cara que estava atrás de mim, e complementei minha meia-resposta de um pouco atrás. “Mas você já deve tar quente, com isso aí, né?”, e sinalizei com a cabeça para a garrafa, que já tinha passado da metade. “Pior que é. Pra mim, até que tá bom”, ele respondeu, sorrindo sozinho. Que raiva de gente que dá risada sem motivo. “Na minha época de moleque eu bebia isso aí pra caralho, direto, mas agora eu não tomo mais essa coisa”. “Ah, é meio ruim, mas é o que dá pra pagar, né?”. “É, tem isso. É barato, pelo menos. Uma vez tomei um porre com uns amigos disso, e aí nunca mais. Pra mim não”. “Eu tomava quando era moleque, mas de vez em quando ainda tomo essa merda”.
O cara saiu do banheiro, quase pedindo desculpas, mas aí eu já não estava mais bravo. Minha mulher já tinha voltado, e estava atrás do cara da garrafa, e aí olhei para ela e levantei a mão, avisando para ela esperar um pouco mais. Com certeza ela não precisava que eu a lembrasse disso, mas a gente dá mesmo esses sinais óbvios, porque não sabe muito o que fazer.
Não sei por que, mas resolvi terminar minha história para o cara da garrafa, e expliquei do dia em que meus pais viajaram no fim de semana, e aí chamei a molecada lá para casa, para a gente encher a cara e jogar videogame, na época Playstation 2, e que descemos para o posto de gasolina e compramos uma garrafa daquelas para cada um dos seis que estavam no dia, mais três, porque a gente era mais idiota que é agora. O cara estava ouvindo a história meio desinteressado, e até abriu a tampa para tomar mais um gole, mas aí terminei a história, disse que vomitamos um monte, e que graças a Deus hoje prefiro tomar uma coisinha mais gostosa, e aí foi a vez dele de dizer “pois é, é foda”, meio para acabar a conversa.
Entrei no banheiro e mijei. Foi a iluminação. O banheiro estava limpo, e tinha até um aviso da empresa sobre como aquele banheiro deve estar sempre bem cuidado e, se não estivesse, que o cliente poderia avisar a equipe do posto, porque essa é uma das obrigações deles. Não imagino ninguém sendo tão cuzão a ponto de fazer isso, mas o que tem de nego filha da puta por aí não é brincadeira, e eu não consigo imaginar tudo que acontece, também.
Saí, dei tchau para o cara da garrafa e comecei a voltar para o carro. Minha mulher perguntou quem era ele, eu disse que tinha conhecido ali, e ela não respondeu nada. Acho que ela não se importa muito com quem são as pessoas que eu conheço desses jeitos idiotas, mas tudo bem. Não me incomoda. Acho que ela não gosta dos meus amigos, mas isso também tanto faz, porque eles também não gostam dela. Seis anos de namoro, e é assim que eles agem. Mas tudo bem. Nem ela, nem eles falam um “a” desse assunto na minha cara, então problema dela, e problema deles.
O primeiro sinal que avistamos depois que saímos do posto estava verde, e passei numa boa.
Marco Antonio Santos