Quebradinho 7 1036

Sabe,

eu queria escrever um texto

sobre a nossa história.

Mas a gente não têm uma.

 

Queria contar da vez que tomamos sorvete.

Eu escolhi gianduia

e você limão siciliano.

Acabamos comendo mais um do outro

do que dos nossos próprios sabores.

Queria contar da vez que exploramos uma trilha

e voltamos à noite, sem lanterna.

No calor que estava, decidimos entrar no rio

e transar à luz da lua.

Contar das vezes que você bebia demais

e ficava insuportável.

E as vezes que eu bebia demais

e ficava mais chato ainda.

Então descobrimos que o melhor

era enchermos a cara juntos.

Queria contar das nossas viagens

e das nossas intermináveis discussões

sobre temas extremamente relevantes, como:

Banoffi ou Torta Alemã,

Weiss ou Stout,

Neil Young ou Bob Dylan,

e se Bukowski era genial

ou uma porcaria superestimada.

 

Eu queria contar tudo isso

mas nada disso aconteceu.

Cada um escolheu seu caminho,

momentos com outras pessoas,

e certamente vivemos histórias únicas,

mas não a nossa.

É uma pena

que o futuro com um pouco de passado

pareça tão mais seguro

que o futuro por si só.

Minha esperança talvez seja

que enquanto restem folhas em branco

reste história a se contar.

 

Sabe,

esse é o tipo de texto

que faz menina chorar.

É assim

quebradinho em linhas,

meio bundinha-mole,

e conta uma história de

amor/desamor.

As palavras encantam

embaladas por uma trilha sonora

de pura melancolia.

Esse é o tipo de texto

que mesmo falando

do que muitos já viveram

– ilusões/desilusões –

parece que foi escrito

especialmente para você.

E quando você repara

não para de rolar a página

enquanto rolam as lágrimas

pelo seu rostinho.

 

Murilo

 

Crédito Foto:Gabriela Camerotti via Compfight cc

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7 Comments

  1. Realmente parece

    Que ele foi feito pra mim

    Até o de limão siciliano…

    Toda essa história, enfim.

    Essa página em branco,

    Esse presente/passado

    Essa trilha, o rio,

    E esse Bukowski superestimado.

    Só pra acrescentar,

    Não é Neil Young ou Dylan,

    Mas é uma música que me toca

    E me faz cantar

  2. Eu pensei que no final, ele seria honesto e dizer
    esse é o texto
    bunda bole e coisa e tal
    que eu só escrevo
    pra tentar comer você
    porque é bem pra isso mesmo.
    me dê.
    fim

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a mente enquanto objeto quebradiço 0 2423

I

 

a noite aqui fora tá um pouco opressiva, graças ao bafo úmido que levanta do asfalto depois dessas chuvas de verão. passa pouco das oito da noite e eu mando um zap pra Cíntia, ver se ela precisa de algo em casa. “Traz um pão de azeite de oliva pra mim”, ela pede num áudio. quase envio uma mensagem perguntando onde encontrar um negócio tão específico, mas assim que olho pra frente me deparo com um local metido a besta, o típico estabelecimento que venderia pão de azeite de oliva. nunca vi esse prédio. entro, o lugar é descolado, projetado pra ricos moderninhos. uma espécie de galpão abandonado, de pé direito alto e arquitetura estranha, com várias lojas e restaurantes que ficam nas paredes, pelas quais o cliente passeia usando rampas. roupas, massas, eletrônicos, brinquedos artesanais. tipo um shopping pra quem quer se sentir integrado à região mas sem correr riscos.

um conjunto formado por vozes masculinas e femininas, flautas e percussões está distribuida ao longo do térreo e toca uma música em tom menor, bem bonita, lindíssima. é emocionante. choro um pouquinho e sinto uma vontade inexplicável de comprar romãs. peço por romãs, não as encontro, mas de rolê pelo galpão sou abordado por uma senhora, sentada num café afetado. “Psiu. Você quer romãs? Eu sei onde tem”, ela fala, feito gato, e me estica um cartão pessoal com nome que nem leio. “Lá perto de casa as romãzeiras estão carregadíssimas”, mia. sorri.

 

II

 

quando noto, estou descendo de um carro. percurso curto, que rua é essa? a velha me convence a entrar na casa porque precisa avisar qualquer coisa pra filha antes de me mostrar onde acho romãs. ela tem um desenho excêntrico, me deixa confuso, como se um sorrisinho malicioso estivesse grudado pra sempre em um rosto antigo e marcado por muitas mudanças. o cabelo platinado, quase branco. ela começa a falar estranho comigo, “Nossa, você é muito lindinho”, pergunta meu nome, respondo “Paulo. Paulo Braga”. meu nome não é Paulo e meu sobrenome não é Braga e eu não entendo mais o que estou fazendo. a senhora me pede licença e sai do cômodo e nisso a filha entra. igual, mas o cabelo é preto e o rosto é jovem. começa a fazer perguntas inúteis, ela também fala miando. “De onde você é?”, questiona, respondo “Minas”, mas eu não sou de Minas. “Ai, que fofo! Que bom que você vai vir pra cá, passar sotaque pra minha mãe”.

vir pra cá? passar sotaque? do que essa moça tá falando? explico que na verdade sou gaúcho, de Pelotas, e nada muda na dinâmica da conversa. tento me distrair pensando em quando vou finalmente comer as romãs, mas o cômodo tem um ar estranho, um perfume me sufoca e confunde. enquanto a jovem mia bobagens e amenidades, tiro o celular do bolso e jogo no Google o nome da coroa, que copiei do cartão. nome diferente, nunca li nada assim. “Que línguas você fala?”, ela, “Inglês e espanhol”, eu, “Ótimo, mamãe fala muitas outras, já podem viajar bastante”. o clima não tá legal, eu não quero viajar com ninguém, eu fico tenso, o 4G não funciona direito. “Mamãe teve vários homens mas nenhum nunca deu certo. Acho que nenhum estava realmente pronto, sabe? E sempre acabam sumindo, hehe”.

 

III

 

fito a tela. a busca está completa. leio os resultados.

 

travo.

congelo.

 

IV

 

reúno forças e levanto e percebo a velha de volta ao quarto. sorrisinho, vestido e véu vermelho-sangue, quase flutua. penso em correr, mas um miado calmo soa como se viesse por toda parte, formando palavras que mais soam como portas que se fecham.

 

“Aonde é que você pensa que vai? Você fica. Você não vai a lugar nenhum”.

 

 

 

 

 

texto do Rômulo Candal

visual do Marco Antonio

Desfile 0 1280

Não há ninguém perto de você.

 

Vanessa pousa o celular sobre a bancada, desce as calças até a altura dos joelhos, senta-se na privada, sem poder esconder o incômodo com o frio, e pensa um pouco no absurdo daquela frase. Antes de começar a fazer força, ela volta a manusear o aparelho, alterando suas preferências de idade.

O festival de homens medíocres recomeça. São muito gordos, muito magros, muito feios ou ainda uma bizarra combinação destas três características (muito gordo E muito magro ao mesmo tempo, a diversidade humana não conhece limites, pensa Vanessa). A foto sem camisa, para mostrar o diâmetro dos braços, é a única constante. Vanessa pensa nessa ironia. Com seus 55 quilos e do alto de seus 1,65 metros de altura, ela não teria coragem de publicar uma foto de biquíni nesse tipo de aplicativos.

 

*splash

It´s a match!

 

A tela diz que ele se chama Marcos e em uma das fotos aparece segurando um cartaz escrito Fora Temer, ela pensa que isso é o suficiente para elevá-lo acima dos descamisados de sempre.

Marcos diz oi, quer tc? só o que eu sei sobre você é que você gosta dos pores do sol. Ela gosta do que lê. Ele parece um homem sincero. Talvez até demais. Quase chega a ser cara de pau, e ainda parece ter algum senso de humor e autoironia.

Vanessa tem vontade de responder que até que ele já sabe o bastante. De qualquer forma, sabe mais do que alguns de meus ex-namorados. Mas, justo neste instante, a água do vaso respinga com mais força, molhando suas nádegas. Na verdade não me sinto atraente o suficiente para retribuir o flerte, ela pensa, depois eu te respondo, ela diz à tela.

Quando Vanessa termina, o assento já está quentinho e confortável, e ela decide passar mais umas fotos antes de se levantar. De repente.

 

Não há ninguém perto de você.

 

O ponto final da frase lhe confere um incômodo ar definitivo. Ela se sente tomada por uma mistura de solidão e indignação. Resolve o problema da solidão com um raciocínio bastante simples. Estou no banheiro de casa, se não tem ninguém aqui perto, tanto melhor para todos os envolvidos.

O mal estar pela indignação é bastante mais indigesto. Em um ato de extrema revolta, ela diz que vive em uma das maiores cidades de um mundo com sete bilhões de habitantes, não faz sentido algum aquela afirmação.

O celular permanece impassível. Da foto de perfil de Vanessa partem círculos concêntricos, como as ondas de um radar, em busca de pessoas que atendam as configurações de Vanessa. E como quem está apenas fazendo seu trabalho, ele repete.

 

Não há ninguém perto de você.

 

Os enunciados performativos desempenham uma das funções mais complexas da linguagem. Com eles é possível criar ou alterar realidades. É por meio da função performativa que a sentença judicial declarando a culpa do réu converte, num passe de mágica, um cidadão respeitável em um criminoso.

Com a gravidade de um magistrado que bate o martelo, o celular-juiz repete que não há ninguém perto de Vanessa. Aquele verbo haver incomoda tanto. Tudo é terminativo e definitivo demais. Não há apelação possível contra um verbo que ninguém sabe conjugar.

Percebe, por fim, que está teorizando demais para não lidar com suas responsabilidades. É que a força dos enunciados performativos se concentra nas qualidades que se atribui ao emissor. Sou eu quem se importa com o que diz o aplicativo. Sou eu que me sinto só quando ele diz que estou só. Eu desejo desinstalar o app, ela diz ao celular, você tem certeza disso, o dispositivo pergunta, eu estou certa disso. Seu desejo é uma ordem, o celular ouve e obedece.

 

*ussshhuóóórlll

 

Ela observa enquanto a água trabalha para levar o passado embora. Lá se vão Caio, o mochileiro que só falava de si, Geraldo, o advogado que reclamou de mulheres que usam maquiagem, Miguel, que buscava uma companheira para um trio com a namorada, e Marcos, o manifestante de 32 anos.

Por um instante, Vanessa se lamenta. Marcos parecia um encontro interessante. Mas sem arrependimentos, ela pensa hoje quero estar sozinha, tanto melhor que não haja ninguém perto de mim.

 

 

texto: Marcelo Silveira
ilustração: Nina Zambiassi