
Final de turno é uma bosta, porque eu moro longe do ponto que me deixam depois do trabalho, e eu não tô gostando desse cobrador que colocaram pra trabalhar comigo. Nego filho da puta. Ele não fala muito, e isso está me incomodando. Ele fica aí com essa cara de sono, olhando o celular de cinco em cinco minutos.
E, nessa hora ainda, domingo, sempre entra algum loucão idiota que tenta não pagar passagem, que quer gritar pra descer no meio de alguma quadra, fora do ponto, que fica riscando os vidros com pedrinha pra emporcalhar o ônibus, que fica ouvindo música alta, querendo se aparecer para os amigos, agitando ou fazendo alguma outra merda qualquer. Por que não ficam quietos? Por que não sentam e calam a boca, pagam a passagem, andam um pouco, apertam o botão e descem no ponto deles, no inferno que seja?
Agora tá aí, esse puto, no penúltimo banco. Ele tá maluco, com certeza. Entrou no terminal, e nem olhei pra cara dele direito, mas é claro que ele tá maluco. A molecada de hoje em dia tá muito doida. No meu tempo não era assim não. Não tinha toda essa merda na rua, esse bando de traficante, esses caras nas esquinas do centro. Antes eu ia pro centro e andava na XV com a minha mãe qualquer hora, não que a gente fizesse muito, mas agora não vou mais à noite, porque tem muito pedreiro, e tem muito bandido, e muita puta, e muito lixo de gente andando pra lá e pra cá. E tem muita morte também. De vez em quando amassam a cabeça de alguém com uma pedra, dão uma facada na barriga de algum imbecil que não quer passar a porra do celular no assalto, dão tiro em travesti, é uma merda. Eu não aguento mais. Não consigo entender o lixo, e não consigo mais entender a rua XV. No meu tempo não era assim. Não era, não era. Até meu sobrinho tá andando com uns moleques de merda da vila, pixando no centro, fazendo cagada. Molecada é foda. No meu tempo que era bom. Que merda. Tô ficando velho e sem paciência, como a minha mãe sempre disse que eu seria um dia.
E esse filho da puta do fiscal do meu lado, me cobrando porque atrasei pra chegar no terminal. Mas o fiscal nunca sabe de nada. Ele acha que é fácil andar nesse fim de mundo esburacado, pegar congestionamento por causa do jogo de futebol no estádio. Não é fácil. No meu tempo os fiscais não eram assim. Acho que os chefes estão ficando cada vez piores. Ele grita comigo no terminal, na frente de todo mundo, e agora senta do meu lado e finge que é meu amigo. Odeio esse cara. Odeio esse cobrador também. Pelo menos esse fiscal filho da puta, que vai mandar descontar o atraso do meu pagamento, fica falando e não preciso ouvir o silêncio desse cobrador filho da puta. O cara está trabalhando comigo há duas semanas, e não lembro direito o nome dele. Qualquer coisa falo oh, piá, e ele responde, então está bom assim.
Aquele cara lá atrás vai vomitar. Eu tô vendo tudo. Já vi essa cena antes, ontem inclusive. É sempre assim. O cara ou a menina abaixa, e começa a vomitar. É coisa feia. E o cara é novo, e tá passando mal, e passando vergonha. Que merda.
No meu tempo a molecada jogava bola na rua. Soltava pião. Corria. Brincava de esconde-esconde. Brincava de pega-pega. Invadia terreno pra roubar fruta do pé. Corria de carrinho de rolimã, que era um sacrifício pra fazer. Agora a criançada rouba a moto do pai e sai voando pela vizinhança. Agora a criançada engravida, cheira cola, fuma crack, rouba a mãe, mata o vizinho, estupra, vai preso, toma uns tapas e já sai na outra manhã, e volta pra casa. E vai pra escola e não respeita professor, e grita na sala, e arranja briga na saída, e acham que são brigadores, que podem, que fazem, que acontecem. No meu tempo não era assim, e era bem melhor antes. Tudo mal educado. Televisão demais. Computador demais. Celular de R$ 2.000,00 demais. Respeito de menos.
O fiscal me pergunta como foi o dia, e não gosta de eu responder que foi uma bosta, sem entrar muito no assunto. Ele disse ah, é? E eu disse pois é. Foda-se. Não gosto dele, não vou fingir que gosto. O mundo de hoje tem muita mentira. E tem aquele filho da puta lá atrás, e eu tenho certeza que ele vai vomitar, mas ele acha que eu não tô vendo, mas claro que eu estou, que eu não sou cego e nem idiota. Ele aperta o botão para descer pouco antes de uma esquina em que vou virar, e levanta para ficar perto da porta. Quando termino a curva, vejo que o vômito escorreu no chão do ônibus, de um lado para o outro. Que merda.
O cara agradece a gente gritando meio bêbado, e confirmo minha ideia sobre ele. Eu não me engano. Esse cara está mais louco que eu no ano novo. Ele desce do ônibus e vai embora, para o inferno que seja.
Marco Antonio Santos
Pra o inferno que seja!! curti pra caralho
Valeu, Baiaaaa!