
Elias tem alguns defeitos. Um deles é que costuma realizar pequenos roubos. Outro é que ele não é muito esperto. Certo dia decidiu roubar alguém ali no centro da cidade, onde gostava de agir. O detalhe é que faltavam dois dias para o natal, e aquilo pareceu uma boa ideia. Vou levar presente de natal pra minha nega, pensou, e nessa muvuca vai ser fácil. Rondou um pouco, escolheu um alvo. Bolsa cara de madame, cheia de coisa dentro. Ainda vai sobrar dinheiro pra comprar um presente pra mim, pensou.
Correu, esbarrou, puxou, levou. Socorro, pega ladrão! Coisa costumeira. Mas Elias não esperava que alguém fosse de fato pegar o ladrão. Naquela montoeira de gente andando com sacolas, um infeliz se interpôs em sua frente, e com um forte chute em suas pernas, o derrubou. Devia praticar alguma arte marcial, o justiceiro, pelo golpe que deu.
Sabe como são essas coisas, né. Ninguém mexe um dedo para pegar bandido, mas quando alguém pega, meu amigo, vem até o Papa querer tirar uma casquinha.
Primeiro o homem que o derrubou montou em cima de Elias e meteu uma sequência de socos na cara, coisa leve. Vai roubar mulher, vagabundo? Vai? Logo a mulher veio atrás, perdida toda a compostura do salto alto, correndo para recuperar sua bolsa. O salto serviu para dar uma boa pisada na mão do meliante. Soltou facinho.
Logo chegou mais gente. Porra, roubar no natal? Que espírito de porco. Seu Clauir, que sabe o quanto trabalha para comprar os presentes dos filhos, largou as sacolas no chão e veio também surrar o delinquente. Chute na barriga, pisada na cara. Guardava essa vontade desde a vez que foi assaltado há quatro anos.
Dona Eunice, que apanhava do marido às vezes, mas nunca podia revidar para não apanhar mais, viu ali sua grande chance. Foi a primeira a pegar pedras da rua, essas solta de petit pavé, e arremessar no rapaz, que cobria o rosto e tentava se proteger da multidão enfurecida.
Jorge apanhou na escolinha uma vez, quando tinha onze anos, há muito tempo. De lá pra cá nunca teve a oportunidade de surrar alguém. Sempre foi um homem pacífico, tranquilão. Mas sabe como é, o bandido ali, fazendo bandidagem, todo mundo batendo. Abriu espaço, tomou distância e chutou-lhe a fuça como se batesse um escanteio.
Elias tem alguns defeitos. Um deles é que costuma realizar pequenos roubos. Outro é que ele não é muito esperto. E, no momento, tem também um terceiro: um rosto terrivelmente deformado. Olhos do tamanho de bolas de tênis, feridas abertas por toda parte, muito sangue, e os lábios, bem, não dá mais para dizer que são lábios.
O pessoal é criativo e têm boas referências. Teve gente querendo amarrar no carro e arrastar, fazer ele morder o meio-fio, enfiar vassoura no cu, e por aí vai. Mas o grande ápice foi quando veio um Papai Noel, daqueles descaradamente falsos de loja, que só servem para confundir as crianças e irritar os adultos, e meteu o coturno preto nos bagos do rapaz. Daí alguém teve a ideia de colocar em Elias a touquinha do Noel. E outro já quis colocar a barba branca. Assim, em dois minutos, Elias estava todo vestido como o próprio bom velhinho. Mau velhinho, no caso, como alguém não deixou escapar o trocadilho.
Foi louco. Todo mundo querendo tirar foto do meliante da cara inchada, de barba e touca. Ho Ho Ho, Feliz Natal, fizeram ele falar, babando sangue, se não apanhava mais. Uma criança perguntou ao seu pai por que estavam batendo nele, e o pai respondeu que aquele não era o Papai Noel de verdade, era um vagabundo. Papai Noel vagabundo! gritou a criança.
Em quinze minutos chegou a polícia para acabar com o show. Quem deu sua bicudinha, deu. Quem não deu, não deu. Elias foi jogado no camburão, sob muitas fotos, praticamente uma celebridade. Então todos voltaram a seus afazeres, aliviados. Bater em bandido é terapêutico.
Seu Clauir ainda tem que comprar o presente do afilhado e do amigo secreto. Dona Eunice ainda tem peru para temperar e presépio para arrumar. Vamos para casa. É paz, é nascimento, é luz, é perdão. Vai tocar Simone? É natal, minha gente, é natal.
Murilo
Crédito Foto:JuliaRosePower via Compfight cc
Outro excelente texto… Cru em floreios…