
Quando você apareceu no bar, com a camisa meio aberta e sorriso marcando as covinhas, eu já imaginava que tudo aconteceria da forma exata como aconteceu. Não tinha por que ser diferente — afinal, já tinha deixado claro para ela como eu sou e isso nunca foi um problema entre nós.
Eu já imaginava que você chegaria mais perto, com alguma desculpa qualquer de pedir uma cerveja. Por isso fiquei ali, de bobeira, bebendo meu whisky como sempre fiz: sem água, sem gelo, sem conversar com ninguém, mas ouvindo a conversa das mulheres que já passaram há muito da idade de ouvir aquela música. Na verdade, eu só estava li porque era obrigado a comparecer a certas ocasiões profissionais — investidores e aquela coisa toda a qual precisamos nos submeter pela vida. Gente querendo liberar qualquer pressão interna na primeira oportunidade. De que outro modo eu estaria ali, assim? Eu não precisava disso. Sem gelo.
Eu percebi você se aproximar, como todas as outras pessoas sempre se aproximam. Sua cerveja. Meu whisky. Eu parecia ainda mais velho ali sozinho, mas isso também não é problema quando você quer se diferenciar da horda de adolescentes que infestam esses bares nas sextas à noite. Além do mais, era assim que você gostava, certo? Foi assim que chamei sua atenção, ao menos: com cara de mais velho e barba.
***
Eu já imaginava que seria exatamente assim. Você faria algum comentário espirituoso e eu daria risada. Assim como fizemos todas as vezes em que saímos, mas também em todas as noites que ficamos em casa, passando a mão na barba um do outro antes de dormir. Você sempre foi o mais engraçado e eu o mais ranzinza. Não era de admirar que uma pessoa se atrairia pela sua camisa aberta e o jeito que você pronuncia o erre, travado e fechado, levando a língua atrás dos dentes.
A vida tem dessas coisas, não é? Mesmo sendo tudo perfeito, nem sempre dá como a gente quer. Às vezes as coisas apenas são e acontecem. Sem culpa.
***
Quando você apareceu em casa com a camisa meio aberta, eu já imaginava que tudo tinha acontecido exatamente como aconteceu. E por que eu ligaria? Eu fiz o mesmo com ela naquela noite anos atrás e sempre achei que, deixando tudo às claras, não seria traição. Traição muito pior é mentir pra si mesmo, não é? E fico feliz que você não tenha feito isso consigo. Nem comigo. Nós perdoamos muita coisa dos outros. Perdoar a nós mesmos é o mínimo que devemos fazer.
Deixe sua camisa aberta e eu deixo minha barba e a cara de mais velho. É assim que a gente se gosta. Não é isso que deveria importar? Eu te quero do meu lado, mesmo que do nosso lado haja outros lados. Mesmo que para você seja inconcebível assim.
Rafael Budni