
Meu caro frentista, muito obrigado por me auxiliar a chegar à Rua Sabóia ontem. Estava chovendo uma anormalidade e eu jamais encontraria aquele lugar sozinho. Aliás, foi uma boa festa. Quando abri a porta tinha uma ruiva de calça de ginástica dançando freneticamente com uma loira de olhos verdes, um pouquinho mais expansiva de traços físicos, mas muito bonita. E foi bonito de se ver. Também tinha uma moça de Manaus, simpática. Porém, o chá de Trepadeira Elefante não lhe caiu muito bem.
Meu caro frentista, ontem à noite, antes da festinha que tinha uma ruiva, uma loira, uma manauara, um cachorro chamado Ciclope e um cara que usava rotineiramente a palavra transão, abasteci trinta reais em seu posto de combustível. O meu cartão não passou, como você bem lembra. Eu estava sem dinheiro e você teve que ficar com o pneu reserva do carro, o que me chateou um pouco. De todo modo, muito obrigado pela consideração e paciência com a minha condição. Daqui a pouco te pago o que devo. Acabei de receber de um comércio que me devia cem reais. Estou bem, estou todo transão.
Meu caro frentista, acabei de tomar um café com a diagramadora do jornal, por sinal, uma bela moça. Ela está lendo “Grande Sertão: Veredas” e calhei de lhe contar o final do livro. Espero que você não se chateie. Riobaldo morre ao cair acidentalmente de um canyon, mas volta três dias depois para limpar o nome da família (do SERASA) e se vingar de Diadorim, uma espiã comunista que os sovietes mandaram para descobrir se Riobaldo é ou não transão.
Meu caro frentista, eu me esqueço de senhas. Até pensei em te dar essa desculpa ontem, mas achei o recurso argumentativo da falta de dinheiro muito mais convincente. Também me esqueço de livros lidos, filmes antigos e ex-mulheres (duas). Mas não me esqueço da história da amiga traída pela mãe através do Tinder. Foi tudo muito lúdico – onde fica, neste caso, a lógica de que se organizar direitinho todo mundo transa?
Meu caro frentista, aconteceu uma situação que preciso te dizer, não porque você precise saber, mas é que preciso contar. Eu tinha os trinta reais. Na verdade, eu tinha cinquenta. Mas não podia te pagar. Eu sabia que não iria te pagar. Sabia que não passava cartão. As moças lá da festa contrataram uma stripper porque era aniversário de uma delas – e ela queria uma stripper na festa, o que me pareceu muito justo. Contudo, ficou combinado que iríamos dividir os custos todos, algo em torno de quarenta reais pra cada um, com direito a atendimento exclusivo aos financiadores. A stripper se chamava Samara e era uma japonesa de derrubar o firmamento, o que muito me surpreendeu também, já que ela não era japonesa de trajetória familiar – descobri depois – e derrubar o firmamento não é uma grande metáfora, mas uso-a com frequência. Enquanto ela sentava em meu colo, confesso ter ficado um pouco mal de ter mentido pra você. Contudo, ela começou a rebolar e perguntou se eu estava de pau duro. Aí considerei que não seria lúdico dizer que sim por estar pensando em você, ela tinha voz doce, tomava um licor de cereja e disse-me que eu parecia ser uma pessoa feliz e muito bem amada. Ela não me afirmou isso, mas bem que podia, pois raramente ouço isso e busco bem direcionar todo o amor que sinto. Nem busco.
Sim. Era japonesa e muito bonita e se chamava Samara. Quanto te devo mesmo?
por Daniel Zanella
foto de Ricardo Pozzo