
Aos 7 anos de idade (e até então considerado seu auge: duas medalhas no futsal e três elogios ao “estilo musical” da professora de música) Julinha já tinha medo da morte. “E se eu morrer no meu auge como os Mamonas? E se eu morrer pra sempre, agora?”. Julinha insistia pra entrar na catequese, mas ainda não tinha idade. Ah se sustagem de morango fizesse idade crescer! E no fim no fim o que ela queria mesmo ninguém respondeu: pra onde a gente vai? Por que morre? E mais tarde: que estória é essa de virgem? Até que ia tudo sob controle – uns dias mais complicados fugindo do cachorro, outros mais alegres dançando Ragatanga com Gabriel- mas algum maldito infeliz lhe contou “mamãe não é imortal, Julinha. Aproveita.” COMO ASSIM ELA MORRE?! E ANTES DE MIM? PORRA, DEUS! Pois é, a vida é foda, Julinha.
Não era possível, devia haver algum jeito! Dias e dias até uma ideia brilhante: uma promessa. Claro, vovó Maria fazia uma centena dessas e sempre funcionava. A promessa era simples: nunca mais vou desrespeitar ou decepcionar mamãe, eu juro! Em troca – à essa altura Julinha já havia feito um questionário completo para seus pais e sua irmã e sabia que todo mundo morre no final, mocinho ou bandido- mamãe e eu morreremos no mesmo dia, num dia que eu for dormir na cama dela com medo dos monstros debaixo da cama e dormindo, sem dor. De mãos dadas. Dias, semanas e nada de deus mandar uma resposta. Quem cala consente. Nesse tempo Julinha percebeu que ainda era hora de fazer alterações no contrato: peraí, mamãe é 40 anos mais velha que eu. Vou morrer no auge. Mas que droga!
– Deus, negócio é o seguinte quero chegar pelo menos aos 70 que nem o vovô. E por favor, faça a mamãe continuar andando com 110 anos. Não sei quantos anos tem essa senhora que a tia Nair cuida na casa da frente, mas parece mais de 100 e ela tá de cadeira de rodas. Seria bem legal se mamãe pudesse andar pra gente correr no Botânico. Acho que é isso. Obrigada, viu?
(Mas peraí e meus amigos, meu pai? E meus fãs? Não, tem uma coisa errada!)
– Deus, só mais uma coisinha: papai pode ir no mesmo dia? Sem ele não tem graça. No céu tem x- salada? E por favor, se não for demais, manda meu anjo da guarda me avisar uma semana antes? Quero me despedir e tal. Obrigada.
É, Julinha era mesmo exigente.
Prazer, Julinha.
Desculpa, deus. Pois é, acho que teatro não é a escolha menos decepcionante do mundo mas acho que mamãe já aceitou bem. Foi mal também dei umas vaciladas na parte de não desrespeitar e tal. Queria só afirmar que o trato, de minha parte, ainda tá de pé. Obrigada por tudo, o senhor tem sido ducaralho comigo. Valeu mesmo! Manda um beijo pro vovô e pro Caju. Ah, última coisa que tem preocupado papai e eu: no céu tem x-salada?
Marianna Faria
Ilustração: Marianna Faria