
Os olhos de Gabriele logo desgrudaram quando ela pegou em mãos o jornal daquela manhã. Na capa, a tragédia que se abateu sobre sua família; mas não era esse o motivo do espanto. O bizarro é que a notícia já havia estampado a edição passada do periódico, há uma semana. Algo estava errado, que história era aquela de notícia repetida?
No momento, a moça nem imaginava que aquilo continuaria a acontecer pelas próximas semanas. Os noticiários não costumavam dar atenção para um caso assim por mais que dois dias, no entanto, era só pegar o jornal e, semana a semana, lá estava a odiável manchete. Alguém está fazendo isso para me torturar, pensou.
Gabriele ligou para o jornal, mas não a levaram a sério. Não teve outra saída, senão cancelar a assinatura. Mas não adiantou. Domingo após domingo, aparecia lá o pacote em frente a sua porta para relembrá-la de seu pesar. As páginas com a notícia ela guardava; não podiam virar banheiro de cachorro, como as outras.
Decidiu interpelar o jornaleiro. Observou que ele passava das sete às sete e meia. No domingo seguinte, esperou na calçada e, quando ele veio, pulou na frente de sua moto. “Está louca? Quer morrer?”, ele disse. “Loucos são vocês”, respondeu Gabriele, explicando toda a situação, mostrando a maldita notícia que a perseguia. Ele se defendeu, disse que a moça devia ter se confundido, pois aquele tipo de tragédia acontecia todo dia mesmo. Além disso, não era culpa dele, que só fazia as entregas. Ela ressaltou que já havia pedido para cancelar a assinatura, ao que o jornaleiro respondeu que devia existir algum erro no sistema, pois o endereço dela ainda estava na lista, e pediu que ela lhe desse licença; tinha mais entregas a fazer.
Marejados, os olhos de Gabriele seguravam as lágrimas que se recusavam a cair. Não chorava mais. Nas primeiras semanas, derramou-se como em um filme de drama, mas agora vivia um filme de terror. Quem é que chora com filme de terror? Dramas acabam, para o bem ou para o mal. Já os filmes de terror sustentam a tensão infinita do espírito maligno que pode voltar.
Para o resto do mundo, o terrível assassinato dos familiares de Gabriele já era assunto velho. Para ela não; todas as semanas as notícias vinham alimentar seu luto, seu sofrimento. Estaria ficando louca? Não importava. Um crime a mais, um crime a menos; apenas estatística. Não eram mais que papel velho para o cão fazer cocô. O mundo era um grande cachorro cagando nas histórias das pessoas, urinando em suas efêmeras e infindáveis mazelas. Quem ousaria, contudo, dizer que os cachorros são maus? Eles cagam, apenas.
Gabriele tinha os olhos alagados pela angústia. Só queria gritar “Socorro! Tirem-me daqui!”. Só queria notícias felizes. Queria um jornal de mentirinha; um jornal conto de fadas. Queria uma lágrima que, por fim, escorresse por seu rosto, em redenção.
Murilo.
Ilustração: Caroline Rehbein