
Estava deitado, usava apenas a calça do pijama. Encostado na cabeceira da cama, lia uma das revistas que ele assinava com a data da edição do mês passado. “Que droga”, pensa ele; “Não sei porque assino tantas revistas se não tenho tempo de ler todas elas…”. Maria Lúcia está no banheiro com a porta aberta tirando a maquiagem enquanto se prepara passa aplicar os três cremes noturnos necessários para garantir a ela uma velhice sem marcas. Ela desliga a luz do banheiro e caminha em direção à cama com uma revista em mãos.
– Antônio, vamos assistir a essa peça de teatro nessa semana? Fiquei superinteressada…
Joga a revista ao lado dele. Ele se desfaz da revista que lia, pega a que parou ao seu lado, olha a foto e para por alguns segundos.
Seu cérebro acompanhado de sua memória trabalham juntos. Tentam lembrar de onde conhecia o rosto que estampava uma foto daquela revista. O rosto da mulher sorridente parecia familiar… E a memória veio. Várias cenas passaram em sua cabeça,… aquele rosto que ele conheceu mais novo, sem tantas linhas de expressão, com o sorriso mais doce da juventude.
Aquele era o rosto de Camila. Junto, veio o som da risada dela em seus ouvidos e um leve perfume de lavanda. Eles se conheceram na faculdade; ele terminando engenharia elétrica, ela no começo do curso de comunicação. Se conheceram de verdade em uma festa. Ele não sabia o que estava fazendo ali: não gostava das pessoas da festa. Pensava em ir embora quando Camila cruzou o seu caminho, fez piada sobre seu “jeito de engenheiro”, oferece uma bebida e depois, um beijo. Ele não conseguia entender muito sobre ela. Não parava de falar, gesticulava demais e ainda para piorar, soube que fazia teatro. Mas, ao mesmo tempo, era extremamente divertida. Com ela tudo era fácil, tudo era descomplicado. Ficaram juntos algumas semanas, mas logo depois veio a confirmação do intercâmbio dele. Um ano em Berlim. O ano que mudou a vida dele.
Voltou mais solto, menos careta, com “menos jeito de engenheiro”. Reencontrou Camila. Ela continuava com o mesmo riso solto. Ficaram mais vezes, até que aquele momento chegou. Pararam em um hotel barato no centro da cidade, os dois bêbados, os dois sem saber o que fazer. Ele nervoso com medo de não conseguir, ela se esforçando para ser agradável. Foi rápido, mas foi bom. Ele acordou de manhã, alertando-a de que precisava ir embora. Ela não quis ir, “vá você”, disse sem realmente parecer se importar. Ele foi, deixando-a sozinha. Nunca mais voltaram a se falar depois disso. Ele, por vergonha por a ter deixado; ela, com vergonha por ter deixado ele a deixá-la. O tempo passou e ele foi se esqueceu do sorriso dela, do seu perfume de lavanda, conhecendo outras mulheres, outros cheiros, até que, anos mais tarde, conheceu Maria Lúcia, advogada, mais velha, que também sorria, mas não tão solto assim.
– Antônio? EI, ANTÔNIO? Se não quiser ver a peça, ok, vou com a Júlia, mas seria bom um pouco de cultura nessa sua vida. Você tem trabalhado demais.
– Han… A peça? Quando vai ser? Sábado? Não, não vou poder, já marquei de encontrar o Mário e o pessoal, mas vai com a Júlia sim, deve ser uma boa peça, tem um bom elenco pelo que posso ver na foto…
– Ok, ok, você que sabe, boa noite, não fique lendo até tarde…
Maria Lúcia lhe dá um beijo e se vira para dormir.
Ele continua com a revista na mão, observando a foto. A coloca no criado-mudo, desliga a luz e sorri para o escuro, sentindo um leve perfume de lavanda da sua juventude.
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por Sissa Stecanella
arte de Marceli Mengarda
Amei Sissa! s2