
Como foi de aula? Foi boa. Era do quê? De lógica. Com aquela professora lá? Sandra. Com ela? Isso. E aí? Normal. Chata? Um pouco, mas normal. Encheu o saco dela de volta? Como assim encheu o saco dela? Você sempre enche o saco dela, Alyson. Claro que não. Claro que sim. Nada a ver, Carla. Você fica respondendo coisa que os professores não perguntam e aí não sabe por que o pessoal da sua sala não gosta de você. Eu tenho que perguntar o que não sei. Na hora certa, tem mesmo, mas não pra se exibir pra menininha de faculdade. Nossa, você tá grossa hoje. Você que tá na defensiva. E você na ofensiva. E hoje, pegou o whats de mais alguma gatinha? Que pegar whats de gatinha, mulher?, é só o pessoal da sala naquele grupo. Um cara de 40 anos se dando o luxo de falar com menininha escondido da mulher. Não viaja, Carla.
Não consegui lavar sua camisa. Não? Não deu. Ué, eu queria usar amanhã, te falei. Usa outra, camisa azul é tudo igual. Claro que não é igual. Claro que sim, e se você mudar de gravata todo dia ninguém nem ia perceber as outras partes da roupa. Porra, Carla, o tecidinho é diferente, é só pegar pra ver que minhas camisas azuis são diferentes. Ai, Aly. Você falou que ia lavar. Não deu, pega outra e pare de chorar. Mas por que não deu? Porque tive minhas coisas pra fazer hoje. O que você fez durante o dia? Minhas coisas, Alyson, fui ver o Heitor. Nossa. Nossa digo eu, tava fazendo minhas coisas, ué. E como tá o Heitor? Bem. Bem? Sim, tá bem. Que bom. Meio gripado, mas tá bem sim.
Paguei a parcela o IPTU e do carro hoje. E aí, quanto foi de IPTU? Uns quarenta e poucos. Depois pega vintão nas minhas coisas, antes de dormir, porque saio mais cedo. Não vou mexer na sua bolsa. Por que não? Porque não. E a NET, pagou? Aham, também, semana passada. Desculpe, esqueci. Tudo bem.
Aliás, amanhã vou precisar do carro de manhã. Pra quê? Cliente em São José dos Pinhais. Que horas você tem que chegar? 8h. Nossa, vai ter que sair cedo. Pois é. Que droga. Droga nada, filho, é desemprego chegando em 10% e conta pra pagar, o nome disso. Tá, mas não me acorda quando você acordar. Você não vai tomar banho antes de sair? Uma ducha, mas coisa rápida.
Pega a garrafinha de água que deixei na mesa da sala? Agora? É. Porra, por que você não falou quando eu tava na sala? Porque só lembrei agora. Porra.
Não precisa falar palavrão, Aly. Desculpa. Tá bravo? Agora tô um pouco. Colocou comida pro gato? Porra, mas você não fez nada mesmo, né? Fiz um monte de coisa hoje, não me enche o saco, por favor. Apaga a luz, pelo menos.
Apago, amor.
Brigado.
Te amo.
Eu também.
Boa noite.
Boa noite.
Me abraça?
Ilustra: Nina Zambiassi.
Texto: Marco Antonio Santos
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