
Há dias em que eu levanto, olho para a espada medieval pendurada na parede do meu quarto e penso “Ah! Que belo dia para matar uns dragões.”
Naquela sexta-feira eu fui convidado por alguns colegas do trabalho para jogar um Poker na casa do Paiva, depois do expediente. Eles já haviam feito isso algumas vezes, mas foi a primeira vez que me chamaram. Eu aceitei, mas primeiro mandei mensagem pra minha mulher, na covarde expectativa de que ela não deixasse e aquela noite acabasse como todas as outras. “Não, não, só vai ter homens lá… claro que já te falei do Paiva, trabalha aqui no meu setor… ok, tudo bem”. Ela deixou.
Eu estava confiante. Éramos em oito; o combinado foi cinquenta reais de cada e o prêmio todo para o vencedor. Jogo vai, jogo vem, o Paiva serviu umas cervejas para todo mundo ficar mais à vontade. Tudo muito bem até aquela hora.
Até que o Kaminski começou a contar umas coisas da vida dele. Falava de como gostou do seu carro novo e de quanto pagou no seu iPhone na última viagem para os Estados Unidos. Aí o pessoal foi no embalo e começaram a se gabar de seus carros, viagens e eletrônicos em geral. Aquele tipo de papo chato que a gente até curte quando é com pessoas legais. Mas não era o caso. Eu tentava me concentrar nas cartas, mas isso não parecia ser o verdadeiro foco daquele encontro.
Daí o Costa levantou a bola de falar de mulher. Claro que não sobre sua excelentíssima esposa, mas sim sobre as putas que ele comia por fora. E o pessoal também foi na onda. Tudo muito engraçado, menos pra mim que nem dinheiro pra gastar com puta tinha.
Restava-me encher o cu de cerveja e continuar jogando. Não seria má ideia rapelar trezentos e cinquenta pilas daqueles otários. Quem sabe eu pagava uma putinha pra mim e vinha contar na próxima. Haha, até parece! É claro que essa grana seria usada pra pagar as contas atrasadas.
Blá blá blá meu filho que estuda na Alemanha; blá blá blá minha Amarok zero; blá blá blá aquela loiraça que quase foi Panicat, mas ainda bem que não foi porque senão dobrava o preço. E eu que achava que os caras eram chatos na firma. Pelo menos ninguém começou a falar de política. Eu realmente torcia pra que essa tragédia não acontecesse.
Aos poucos o pessoal foi sendo eliminado da mesa e eu fiquei cheio de fichas. Ao fim, restaram só eu e o próprio Paiva. Vinte minutos depois de jogadas terríveis, saí com uma sequência e apostei All In. O lazarento do Paiva não só pagou como abriu um Full House. Filho da puta.
Voltei para casa um pouco embriagado. “Demorou, hein?”, disse a mulher. Nem respondi e deitei. Aí, então, percebi que um zumbido dominava o quarto e não me deixava relaxar. Um zzzuiiin chato pra caralho. Dez minutos dessa tortura e eu não aguentei: acendi a luz, visualizei o maldito e peguei minha espada da parede. Eu, o Túrin Turambar da vida medíocre.
BLAM!
“Que é isso, meu Deus?!” gritou a mulher.
“Era um pernilongo.”
“Tudo isso por um pernilongo?”
Ela me olhou sem entender porra nenhuma. Virou-se e voltou a dormir. Melhor assim; ainda bem que nem percebeu a marca da pancada no móvel. Eu só queria que aqueles zumbidos parassem.
por Murilo.