
Eu pilotava uma scooter alugada pela Rua Eilat, a poucas quadras da Telavivian Gallery e olhava as vitrines das lojas que estavam, em sua maioria, fechadas. Não usava capacete e sentia o vento seco no rosto. A alameda estava livre, sem tráfego. Parecia ser domingo de manhã. A última vez que havia olhado para o calendário, ainda era quinta-feira. Sem transeuntes ou vendedores, a rua parecia um deserto. Talvez fosse porque estávamos no deserto. Aquela aglomeração de concreto e vidro, com algumas árvores esparsas e uns poucos carros estacionados eram apenas maquiagem. O clima árido e solitário me atacava, mas a ideia de que logo chegaria às praias de Jaffa me trazia alívio.
Pilotei por mais alguns metros e, quando cheguei aos quarteirões mais próximos do mar, tive a impressão de que aquela não era a Rua Eilat, aquela não era Tel Aviv. Era a Rua Mena Barreto (ou a Paulino Fernandes, ou a Nelson Mandela, não lembro muito bem), em pleno bairro Botafogo, sendo bombardeada pelo sol de mais de quarenta graus da capital carioca. Quando cheguei à esquina, entrei na Rua Voluntários da Pátria. Pilotei rumo ao mar. As lojas também estavam todas fechadas, com vitrines exibindo seus manequins nus. Segui até o fim. Achei que estava enganado e que quando a rua acabasse eu chegaria às areias de Jaffa. Parecia só uma pequena falha de perspectiva.
Mas, quando enfim enxerguei o mar e me aproximei da areia, era o Pão de Açúcar que estava no meio da baía, pairando sob as águas do Atlântico. Não era o horizonte sem fim da costa do Mediterrâneo. Abandonei a scooter perto de uma árvore e corri até a areia, deixando os sapatos para trás. Cai no mar e nadei por alguns metros, sentindo a água salgada arder. No terceiro mergulho, abri os olhos enquanto estava submerso e eles queimaram, mesmo assim, pude enxergar as luzes no fundo. Mergulhadores trabalhavam no centro da baía, vários deles nadavam em volta de equipamentos conectados por cabos a um grande barco na superfície. Voltei, respirei fundo e submergi em direção a eles, mas não consegui nadar muito e logo perdi o fôlego. Voltei para sugar mais ar e mergulhei de novo, desta vez determinado em ir um pouco mais fundo, mas os mergulhadores haviam desaparecido. Imagino que haviam terminado o trabalho naquele ponto e migraram para outro, um pouco mais adiante. A profundidade e a escuridão impediam meus olhos de alcançá-los. Nadei de volta para a areia.
Enquanto me secava, percebi que o cenário estava confuso de novo. O Pão de Açúcar, o teleférico, a Avenida das Nações Unidas haviam se transfigurado. Ao fim da areia estava a Casa do Mar, ladeada pelo Jardim de HaMidron e o Museu de Jaffa, a uns poucos quilômetros da fronteira de Gaza. Minha scooter permanecia parada ao lado de uma árvore. Montei novamente e pilotei pela Avenida Yerushalayim, que exibia suas palmeiras verdejantes e, dando a volta pelo belo Parque Midron Yaffo, segui por mais algum tempo até chegar ao Porto de Jaffa, de onde partia um pequeno barco que me levaria de volta ao navio em alto mar. Parei a motocicleta a poucos metros do cais e depois de entregar as chaves a um rapaz de uniforme azul, caminhei em direção ao barco. Um dos membros da tripulação me parou e entregou um cartão, seguido de uma toalha. Depois que sequei o rosto, ele me ofereceu água. Caminhei pelo pequeno convés até a popa, de onde observava o mar e o Sol que descia até ser engolido pelas águas do Mediterrâneo.
Ao chegar ao navio e subir até a torre, um garçom se aproximou com um copo cheio e me disse: “aproveite a vista Capitão. O senhor a tem como poucos”. Depois de fazer outra reverência, olhou com seus olhos fugidios e completou: “Mas lembre-se, esse lugar não é para sempre”. Educadamente fez a terceira reverência e me deixou sozinho. Após tomar a bebida, olhei com tristeza para mais uma noite que estava prestes a chegar. Somente ao fim do crepúsculo é que os demais viajantes começaram a aparecer. Eu voltaria a conduzir o navio em poucos minutos. Depois de tantas voltas ao mundo, os lugares perdem a singularidade. Sinto falta de casa, mas não lembro mais onde fica. Uma circunavegação completa a cada vinte e oito dias. Voltas e mais voltas, como a Lua. O Sol e o sal ardem na praia em um dia quente. A viagem é sempre até o fim da noite. Só os arquétipos resistem, os nomes próprios se vão e o barco segue cortando indiscriminadamente as águas de qualquer oceano que se oponha. O cruzeiro até o fim da Terra não existe, é um circulo vicioso.
—
Texto: Jadson André
Ilustração: Caroline Rehbein