
O voo sobre a serra era para ser deslumbrante, mas a imagem já estava se transformando num borrão. De dentro do helicóptero dava pra ver os picos das montanhas principais e uma centena de morros adjacentes, tudo coberto pela floresta tropical. A neblina que pairava sobre algumas partes da vegetação subia formando cirros que ligavam a mata ao céu. Aquela vista configuraria uma bela pintura, que se estendia uniforme até o horizonte, mas a exaustão pelas seguidas horas de busca, sob um sol firme, fazia o grupo da aeronave se sentir cada vez mais próximo do inferno. Mata densa, difícil de penetrar. As ranhuras mais profundas eram rios, mas não se podia enxergar a água vertendo morro abaixo. Até isso as árvores da floresta tropical escondiam.
“Algumas fotos nos mostram que o carro dele ficou abandonado em uma dessas clareiras”, comentou o navegador e todos puderam ouvir pelos fones, menos o piloto, que estava com ouvidos destampados, voando de óculos escuros e sem o menor sinal de incômodo com o barulho irritante das hélices. Suor escorria pela testa e os pelos dos braços estavam úmidos, mas as mãos seguiam firmes, conduzindo. Ele fazia a máquina deslizar pelos ares. Olhava com impaciência em direção a floresta, vasculhando cada ponto em busca de algum sinal humano de seu irmão perdido na imensidão esverdeada. Tinha um ar de obsessão.
Na parte central do vale encontraram uma clareira e em uma das extremidades, perto de uma das saídas que seguia para o interior da mata, havia um ponto refletindo luz. Poucos segundos de voo naquela direção possibilitaram a definição do capô e das rodas. Era o carro procurado. A aproximação foi ainda mais rápida e o helicóptero aterrissou no centro da clareira. O policial e os dois socorristas do grupo local de resgate desceram do helicóptero e ficaram ao lado do navegador, observando o piloto correr sozinho até o veículo abandonado com a porta do motorista aberta. As hélices ainda giravam quando ele alcançou o carro.
Depois de alguns segundos vasculhando o painel e o porta luvas, o piloto desceu e abriu a porta de trás, então se deteve olhando sem expressão para o banco. Começou a puxar algo com força e logo duas pernas apareceram, em seguida o corpo todo. Os quatro, ao lado da aeronave, ainda atônitos com a cena, perceberam que era hora de agir e foram em direção ao piloto. Ele revirava o corpo, procurando algo nos bolsos. A pessoa estava com as mãos e pés amarrados, descalço, vestindo apenas calça e jaqueta jeans. O cabelo comprido os fez hesitar por um momento, mas logo perceberam que era um homem. Havia um fio enrolado no pescoço. Então o piloto gritou:
“Não é ele”.
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Texto: Jadson André
Ilustração: Caroline Rehbein