
Uma baleia aguenta 90 minutos debaixo d’água sem respirar. Seres humanos em geral, apenas dois. A exceção são os atletas apneístas, que suportam um pouco mais que cinco. Os primeiros adeptos, buscavam alimentos ou tesouros nas profundezas de lagos ou mares. Depois vieram os profissionais: localizadores de explosivos, salvadores de navios encalhados, atletas recordistas. Entre as modalidades para os praticantes do esporte, a imersão livre. Um tipo de mergulho que não utiliza equipamentos e consiste em ir o mais fundo possível.
Teresa sabia pouco ou quase nada sobre o universo dos mergulhadores. A pesquisa online, às três da manhã, foi a maneira que encontrou para procurar alívio. Sonhadora, como sempre se definiu e foi definida, imaginava-se habitante das regiões mais elevadas. “Se deus está no alto, é pra lá que devemos ir”, pensava.
Ainda assim, vivenciou alguns pousos. Momentos de, do alto, avistar planícies aparentemente seguras e arriscar a descida. Desastrosos, às vezes, mas nada grave que impedisse o retorno às alturas.
As profundezas, que agora lhe tiravam o ar, eram novidade. Foi arrastada a um abismo inesperado. Preparada para viver nas e de superfícies, via aquele mergulho repentino como um espanto. Risco extremo, morte potencial para um corpo designado à comunicação constante com a atmosfera.
O encontro foi no gramado de uma festa. Enquanto observava algumas crianças brincando com um cão vira-lata, absolutamente sujo e contente por finalmente receber algum afeto, ao seu lado sentou-se ela que, não só uma conversa honesta, ofereceu chá quente e a sobra de um pedaço de bolo embrulhado em papel toalha. Bebeu, comeu e, quando se deu conta, estava deitada em uma barriga que descia e subia no ritmo da respiração de alguém que sequer conhecia.
A partir dali, as conversas nunca mais pararam. Vieram também as playlists especialmente dedicadas. Os trechos de livros compartilhados. As histórias imaginadas para a vida de desconhecidos que por elas passavam. Os problemas e detalhes sutis só vistos no cotidiano. Receitas às vezes desastrosas de pratos que na televisão pareciam muito mais simples de serem preparados. Noites compartilhadas no sofá de dois lugares da sala que as obrigava a criar uma dinâmica de encaixe capaz de causar inveja nos melhores contorcionistas.
Não havia mais chão, não havia mais teto. Girava, rodopiava em direção ao fundo. Uma queda macia, ainda que fossem emoções e sentimentos inéditos que surgiam em velocidade incontrolável. Imergia em si e, como companhia, tinha alguém que a fez se sentir baleia em uma imensidão silenciosa e calma.
Agora, sabia que nunca mais emergiria. Cuidaria dela. E por ela seria cuidada. Debaixo d’água ficaria pra sempre, contente, no fundo daquele mar.
Escrito por Priscilla Scurupa