
Na baía, sentada na areia, a multidão ouviu o disparo da largada. Forte vento cortava a paisagem. O sopro gelado impulsionava os onze veleiros. Alcançaram rapidamente o horizonte, para uma viagem de volta ao mundo. Onze começaram, mas nenhum terminou a prova.
Os oceanos não eram desconhecidos e todos os velejadores estavam qualificados para enfrentá-los. Alto era o nível da competição e também o de seus participantes. Contudo, nove dos onze desistiram ao longo dos três primeiros meses e foram encontrados a salvo, em diferentes pontos do globo. A maioria disse que abandonou a prova por desgaste físico ou problemas psicológicos. Alguns pareciam ter ficado loucos. Falavam em monstros do mar e aparições de seres iluminados no convés, durante a noite.
Depois dos desistentes, vieram os casos dos desaparecidos. Quatro meses desde a largada e dois veleiros ainda continuavam no oceano. Sobre seus capitães solitários não havia qualquer notícia. Confusa era a sensação que tomava conta de todos. Uma mistura de cansaço e ansiedade. Durante um mês, as buscas pelos dois permaneceram infrutíferas até que do sul do Pacífico veio boa notícia. Um dos velejadores foi encontrado em uma ilha.
Calmo e quase desinteressado, o ex-competidor disse que a prova havia perdido o sentido para ele. Desenvolveu um afeto diferente pelo oceano e passou a velejar apenas pelo prazer de conhecê-lo. Não tinha intenção de retornar para casa. Seguiu nômade pelos mares e a última vez que se soube dele, estava de passagem pelas Ilhas Seychelles, no Oceano Índico.
Sobre o segundo desaparecido, as informações são hipotéticas e há mais especulação do que fato. A embarcação dele foi encontrada a deriva perto da praia de Latachapli. Toda a Baía de Bengala e o Mar de Andamão foram vasculhados, mas nenhum corpo foi encontrado. No diário, guardado em uma das gavetas da cabine do barco dele, havia pouca coisa escrita. A maioria das páginas continha desenhos realistas de batalhas navais.
Na última página havia uma carta. No curto texto ele dizia que o barco era uma barreira para a evolução do corpo humano. “Sem ele, já deveríamos ter nos adaptado a nadar como peixes”. Sugeria que se não fossem os aviões, teríamos conseguido desenvolver-nos para voar por conta própria. Dava a entender que tentaria continuar a jornada sem qualquer “artifício”, por isso, alguns acham que ele se jogou na água e morreu afogado. Outros acreditam que ele conseguiu chegar vivo à costa de Bangladesh.
Anos depois, turistas que visitaram o Himalaia, em busca da conquista do Everest, disseram ter visto um guia de montanha incomum. Pela aparência, certamente não era nativo, mas assim como os nascidos na região suportava grandes altitudes sem auxílio de tanques de oxigênio e roupas especiais.
Nepaleses e tibetanos não sabiam dizer ao certo de onde ele tinha vindo, nem quando havia aparecido por ali. Disseram ter a impressão de que ele sempre esteve perambulando pela cordilheira. O boato místico que circulava era de que o guia tinha nascido nas profundezas do oceano e havia escolhido passar a vida escalando o ponto mais alto da Terra. Quando os turistas o procuraram de novo, na suspeita de que fosse o velejador desaparecido, não conseguiram encontrá-lo mais.
Depois dessa competição, que teve tiro de largada, mas nunca chegou ao fim, nossa baía jamais voltou a ser ponto de partida para uma prova náutica.
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Escrito por Jadson André
Ilustração da Caroline Rehbein