
Eu nunca entendi muito bem as pessoas, mas sempre entendi muito bem os triângulos, sejam amorosos, sejam geométricos.
Lembro como se fosse ontem do dia em que a professora de matemática desenhou um círculo no quadro, o dividiu em quatro partes iguais (às quais chamou de quadrantes) e puxou uma corda saindo do centro e chegando até um ponto qualquer da circunferência. Ela explicou que a corda era a hipotenusa de um triângulo que tinha seus catetos iguais ao seno e ao cosseno do ângulo formado entre a corda e o eixo horizontal.
Foi a primeira vez que eu senti esse choque sobre os seres humanos. As cordas vocais daquele primata estavam vibrando a uma determinada frequência e ele modulava o ritmo e forma de saída do ar por meio de seu aparato fonador. Essas vibrações eram percebidas pelos meus ouvidos e meu cérebro transformava tudo isso em uma mensagem que fizesse algum sentido. E no caso, o sentido era que, sabendo o tamanho de um dos lados do triângulo e o valor de qualquer função trigonométrica, é possível deduzir os tamanhos de todos os lados do triângulo.
Precisava compartilhar isso com alguém, então comentei com o garoto que sentava à minha frente que o mais estranho em tudo aquilo era que eu estava entendendo. Ele olhou pra trás e me disse que, na verdade, o mais estranho em tudo aquilo era que ele também estava. Eu ri.
Teve uma vez que fui acampar na praia com a família. Quando acordei fazia um calor tremendo, saí da barraca e meu primo comentou “Que lua, hein!”. Antes de responder eu olhei para o céu, e como não vi nada de estranho perguntei “Onde?”, porque eu sempre achei intrigante que às vezes a lua aparece no céu durante o dia, mas o Sol, por sua vez, é muito mais respeitador das regras, e nunca aparece de noite. Ele riu.
Acho que é isso, eu rio de relações trigonométricas, mas não das figuras de linguagem. Isso restringe muito o número de pessoas com quem eu posso me relacionar. E aí está Sabrina. Porque a Sabrina me escuta quando eu digo que logaritmos não são uma operação matemática, mas apenas uma forma de notação. E quando eu falo dessas coisas ela me olha com o mesmo interesse de quando falamos de literatura, música ou filosofia.
E daí eu faço um esforço homérico para manter isso que nós temos. E até agora eu nunca tinha pensado nisso, mas me parece que o esforço é sempre conservador. Acho que isso tem a ver com dois temas. O primeiro é que mais cedo ou mais tarde nós entendemos que a insatisfação é uma das únicas coisas constantes na vida. Não importa quanto você conquiste, sempre vai achar que merece e ou pode ter mais. O segundo tem a ver com o fato de que quando você faz um planejamento, estabelece metas e põe tudo isso em prática, o resultado é sempre muito longe do esperado. É verdade que há vezes em que as expectativas são superadas. Mas sinto que os humanos não lidam muito bem com a incerteza.
Por isso as pessoas fazem esforço gigante para conservar seus empregos, sua boa reputação, seus clientes, aquela relação que você não dá nome, mas não porque não quer um compromisso, mas sim porque você sente que ela é tão preciosa que não pode ser reduzida a uma palavra qualquer.
Isso me machuca, porque de vez em quando penso que a Sabrina gostaria que isso tivesse um nome que remetesse a algo familiar. Ela nunca me falou nada, mas é uma coisa que me ocorre. E agora eu já me sinto culpado porque eu fico imaginando o que ela pensaria se soubesse que eu estou pensando essas coisas em um momento como esse.
E tudo isso começou com os logaritmos. Não, acho que foi com o Sol que nunca aparece de noite. Mentira, começou com aquele garoto que entendia trigonometria. Mas eu só lembrei que ele entendia trigonometria porque eu estava falando dos malditos triângulos, que podem ser geométricos ou amorosos.
Há momentos em que é muito difícil manter a concentração, e na verdade todo esforço é sempre um movimento conservador. Porque a gente sabe que a insatisfação é a única constante. Todo mundo quer algo, dois quilos a menos, dois centímetros a mais, só dois minutos mais!
Mas aí você pesa dois quilos e percebe que eles não fazem diferença. Olha pra régua e vê que dois centímetros são uma distância muito pequena. E aqueles dois minutos? Já passaram e você nem percebeu.
– Ai, amor, isso! Mete! Forte! Assim!
fim
texto: Marcelo Silveira
ilustração: Gustavo Paris