
Tinha sido um dia de expectativa, de “mais tarde tem”, de uma alegria suspensa com estofo chato e previsível. Trabalhei demais, com direito até a duas horas-extra, que cairiam direto no meu banco de horas, nunca em dinheiro na conta. Estava cansada de ficar atrás da tela do computador. Meus olhos doíam um pouco, acho que por causa do excesso de luz artificial. Programei um pedação de um site que estava construindo e gastei tempo com notícias que me interessam e outras que não. A família de um ator que acabou de morrer abriu a casa pela primeira vez para mostrar a coleção milionária de quadros do finado para uma revista. Um ministro de estado deu um salto mortal ao vivo na tv, em uma demonstração prática de seus exercícios caseiros. Ganhei em umas, perdi em outras.
20h40, hora de sair – do estúdio direto para o primeiro posto de gasolina: duas long necks de eisenbahn, sempre em promoção, dois pães de queijo e um trident canela. Crédito, pra render milhas. Não precisa da minha via, moço, obrigada. Comecei a peregrinar pela Mateus Leme, com os fones no talo, alternando entre spotify e umas músicas soltas do youtube. Só porrada. Um pouco de Napalm Death para animar a caminhada, um pouco de Meshuggah para cadenciar o passo e circular dançante pela rua. Senti um pouco de refluxo no final da segunda cerveja, mas não dei importância. Não ia parar de tomar por tão pouco, mas sabia que tinha feito mal em esquecer o Plasil na casa dos meus pais.
Encontrei um trecho silencioso na altura do Mueller e liguei para a Ketlin, que estava chegando com o namorado Roberto, de carro. Eles me buscaram para jantar pastel antes do show. The Black Dahlia Murder no John Bull, vamos ver, vamos ver. Duvido que eles tocam naquela velocidade por mais que vinte minutos sem perder vigor. Duvido que não aprendo pelo menos uns três riffs de Deathmask Divine só de olhar para as mãos dos guitarristas.
Voltamos a tempo de perceber que tínhamos perdido as bandas de abertura. Às 21h40 a atração principal subiu ao palco. Eles estavam na porta, do lado de fora, tomando umas com o público e esperando a hora de quebrar tudo. Alternaram entre canções mais antigas e outras das levas mais recentes. Show amplo, show para todos.
No meio da quarta cerveja lá dentro olhei para minha comanda e me decepcionei com a falta completa de auto-controle. Levantei a cabeça e corri o olhar pela plateia. Atrás da mesa de som, no camarote – mais um elevado que um camarote, vá lá – uma surpresa. O homem do momento. O chefe da república.
Ketlin, aquele cara de boné e camisa do Mastodon ali no camarote é quem eu tô pensando?
Ai, amiga, é O MORO. Mas ele também agora não perde um show em Curitiba, né? Não entre em pânico.
Soltei uma risada aguda de uma só nota, como quando a gente se diverte mas lembra de voltar logo ao centro para não se expor demais.
Texto, imagem
Marco Antonio Santos