
Passava pouco das seis, mas apesar do horário de verão já era noite – ao menos para o transeunte pouco acostumado com a capital paranaense. Foi naquela oportunidade que, pela primeira vez, alguém interagiu com aquilo que viria a ser chamado de A Grande Infestação de Curitiba pelos livros de história. Para fins de registro, o primeiro cidadão foi um homem qualquer, branco, 30 anos, trabalhador, blá-blá-blá. Ele entrou no terminal do Cabral e, ao pisar apressado no último degrau para a plataforma do Santa Cândida/Capão Raso, sentiu aquela sensação relativamente incomum mas fácil de reconhecer e entender que é a de engolir um inseto. Cuspiu, quase vomitou, praguejou um “Puta merda, mas era só o que me faltava mesmo!” – como se a sua vida estivesse especialmente difícil naquele dia, mas não estava – e seguiu adiante, rumando ao Shopping Palladium, pegando o ônibus no sentido que ia para o terminal do Capão Raso.
Curitiba passou a ser assolada aí, e a partir desse primeiro contato, as mariposas começaram a tomar conta do terminal. Começaram pela própria plataforma do biarticulado, depois as banquinhas de doces, as de churros e crepes suíços e ao final até o túnel subterrâneo foi completa e inacreditavelmente dominado pelos bichos. Tudo isso num intervalo curto, coisa de dois ou três dias após a invasão bucal do personagem que deixamos no Portão.
A Grande Infestação de Curitiba foi implacável. As mariposas deixaram de ocupar apenas o terminal e se espalharam pelas redondezas. Eram “Milhares, milhões – talvez bilhões!”, dizia o chefe de um instituto local especializado em mariposas, o IMMC. Nas entrevistas que dava às rádios e televisões locais, o tom do cientista era de espanto, incredulidade e algum torpor. “Não faz sentido”, afirmava. “Não faz nenhum sentido”, finalizava. Ele, que era mais um homem qualquer, também branco, mas com 40 anos, etcetcetc, vinha passando por graves turbulências na vida afetiva que recentemente tinham se convertido em uma relação bastante próxima com o álcool e outras drogas relaxantes. Isso pode ter levado o pobre diabo ao estado de total confusão que apresentava nos depoimentos e – talvez – atrapalhado um pouco o rumo das pesquisas e diagnósticos? Pode. Mas isso não foi documentado, de forma que não nos interessa aqui.
Foram dois meses de extrema balbúrdia e confusão. Os taxistas pararam de entrar na região, porque “O pozinho que elas soltam acaba ca lataria!”. Um cadáver de cachorro teria sido encontrado próximo à Pastelaria Juvevê, com os buchos de fora e supostamente com uma mariposa gigante ainda a mastigar a pata posterior direita. Uma mulher afirmava ter flutuado por quadra-e-meia com a ajuda de um colossal coletivo daqueles insetos, seja lá qual for o nome que se dê a um coletivo de mariposas.
A Grande Infestação de Curitiba compreendeu, geograficamente, um pentágono de forma meio troncha mas de linhas quase perfeitas. Os vértices eram: O estádio do Coxa, à época com o melhor ataque da série B do Brasileirão; O museu Oscar Niemeyer, que trazia uma exposição surpreendentemente reveladora sobre a Semana de 22; o Alkatrazz Entertainment Complex, um espaço moderno de conceito confuso, decorado com algemas, barras de ferro e outros motivos prisionais, localizado na rua Anita Garibaldi, exatamente onde ficava o antigo presídio do Ahú; o aeroporto do Bacacheri, com sua tradicional pasmaceira e falta de destaques dignos de nota; E, por fim, um boteco de esquina na Dr. Goulin, famoso pela suspeita e deliciosa linguiça defumada caseira, confeccionada pelo próprio dono.
Como vieram, as mariposas se foram. Analisando friamente, a área nem era tão extensa, municipalmente falando, e o tempo de duração do domínio mariposal* não foi tão longo, se comparado à vida humana. Também não foi exatamente danoso, mas na falta de uma infestação mais parruda, o evento segue sendo chamado de A Grande Infestação de Curitiba.
*A palavra foi cunhada à época da infestação.
texto e montagem por Rômulo Candal.
foto de Victor W. Fazio III Flickr via Compfight cc.