
“Estou vivendo um eclipse”, disse Mariana e iluminou o mundo com o brilho dos seus olhos. Uma luz que ninguém viu. Uma luz que ela sentia e levaria uma vida inteira a tentar compreender. Um entender sem pressa, que de tanto sentir, pouco importaria chegar a alguma definição.
Pouco ou quase nada ocorre no desenrolar de um instante. Muito esperamos, mas dificilmente nos damos conta de que o que define a vida acontece durante o tempo em que o mar leva para absorver a imensidão de uma gota de chuva. A explosão da água contra o seu universo de origem dura um punhado de tempo percebido por ninguém. Logo tudo é todo. Logo é passou.
Se distraídos julgamos viver em decadência, é por perceber nunca que passamos a eternidade na busca por reacender a faísca que explodiu no momento em que acontecemos. E que passou.
Para os céticos, um eclipse acontece por uma coincidência astronômica. Uma total ausência de poesia. Algo que nos escapa a dimensão, mas que petulantemente nos atrevemos a definir e acumular junto às coisas que julgamos dominar. Sequer compreendemos a grandeza de um sol que se ergue todos os dias diante de nós, mas nos acalma limitar as coisas dentro de conceitos, sem levarmos em conta o que existe além do que vemos na nossa finita existência. O todo que nos contém.
E foi por nunca se deixar convencer da concretude da vida que Mariana viu em si o alinhamento de um eclipse. Compreendia a poesia do instante que se propõe eterno.
A visão de um pôr do sol jamais seria a ilusão de ótica que as passageiras ideias insistiam em lhe falar. Tinha a certeza de que, ao contrário das teorias, a beleza torna-se parte de quem a flagra na eternidade do instante de sua perpetuação. E foi ali, diante da imensidão de um alinhamento que ninguém mais percebeu, que Mariana reconheceu-se num eclipse e eternizou a beleza em si. Uma beleza em forma de um sorriso que se iniciava em seus olhos e descia pelo rosto, milímetro a milímetro, equilibrando-se por fim nos cantos da boca a soletrar: “E-clip-se.”
Diante do escuro de seu quarto, olhando para um teto absorvido pela luz ausente, Mariana percebeu-se maior. Compunha um eclipse. Absorvida pela beleza que brilharia consigo enquanto fechasse nunca os olhos para a imensidão das coisas que a arranjavam.
Sabia que a felicidade seria sua capacidade de reconhecer e estender instantes preciosos por todo o seu caminho. Eternizaria o vasto brilho daquela faísca que jamais lhe sairia dos olhos. Carregava consigo o cosmos. O infinito. O silêncio que tudo absorve. Que tudo é. E Mariana era tudo ao constatar-se parte de um universo. Um universo de si.
texto: Rafael Antunes
ilustração: Nina Zambiassi