
Às vezes eu imaginava ser o homem que mais suava no mundo. Com pouco esforço, vertia-me em mim mesmo, e por muitas vezes suei enquanto almoçava, aquecido pelos temperos de minha mãe que confortavam meu coração. Na minha juventude, a solução foi entrar para o time de natação, onde era possível tomar banho ao mesmo tempo em que se suava. Não há constrangimento em estar suado dentro d’agua.
Eu descobri muito cedo, o suor faria parte da minha vida, tal qual fez do meu pai. Era como se, depois de sua partida, eu suasse por nós dois. Suava para subir as escadas, comer o molho apimentado, fazer a contabilidade do mês, trocar as lâmpadas, falar em público, e para levar minha mãe até a estação de metrô.
Naquele dia não havia sol, e os vendedores de rua corriam na indecisão entre oferecer guarda-chuvas e hand spinners. Pareciam apostar entre si qual teria feito a melhor escolha à espera do inevitável. Eu votaria nos spinners e sua preferência desastrosa, levantando as mãos para fazer com que os brinquedos se agitassem ao vento que bagunçava os cabelos e levantava a sujeira da rua. É como ver alguém apostar todas as fichas no zero verde da roleta: está claro que não vai funcionar, mas não se pode negar a beleza do brilho nos olhos de um otimista.
Como em todas as vezes em que caminhei aquelas três quadras, cheguei suado e atrasado, com o único pensamento possível ao momento. Qual é a dificuldade em calcular o tempo para algo que se faz diariamente? Talvez eu, ao meu próprio jeito, também estivesse escolhendo um spinner em meio à tempestade.
Levava em um braço a mala com poucas roupas, e no outro minha mãe e a constatação cada vez mais óbvia de nosso envelhecimento e inversão de papéis. Via-me andando à frente em passos rápidos, apurado com os mesmos horários e obrigações que ela tinha quando me puxava ainda criança pela rua. Estava virando minha mãe para minha mãe.
Na estação, passei-lhe todas as instruções agoniado ao ver seu olhar disperso, e repeti tudo mais duas vezes com um esforço vigoroso em não aparentar o nervosismo em deixá-la andar de metrô sozinha. Entramos no trem e me dirigi imediatamente ao banco preferencial que lhe é de direito, ajudei a minha cada-vez-mais anciã a se acomodar e arrumei a malinha de roupas entre seus pés, já preocupado em como aquilo poderia ser pesado para ela carregar sozinha depois. Em pé à sua frente, olho com tanta ternura que o trem parece diminuir a velocidade para que aquelas duas estações possam ser o suficiente para reduzir a saudade das semanas que virão. Enquanto miro sua fragilidade, sou transportado não para o meu destino, mas para um passado até então esquecido em minha memória. É minha mãe me ensinado a ir para a escola sozinho pela primeira vez. Via-me ao seu lado em cima do morro, olhando para o meu eu-criança ao longe aguardando o ônibus em uma parada tão próxima da favela, que a faz repensar tantas vezes quanto possível sobre aquela escolha necessária. Braços cruzados, uma das mãos à frente da boca disfarçando o choro para não assustar a cria que vai desbravar o mundo onde tudo pode dar errado, em uma época em que o celular era um luxo de gente que não precisava de transporte público. O ônibus chega e ela acena um tchau que há de não ser um adeus, pelo amor de tudo que for sagrado. As mães são como os anjos, que não têm tempo para ficar tranquilas. Ela continua olhando pelas janelas do coletivo, agarrando a si mesma em uma tentativa de segurar o pranto. Ao seu lado, minha memória a abraça como se confortasse a nós dois em um momento em que entendemos que criamos um ao outro sem nos ensinarmos a sobreviver no transporte público da saudade. No trem, desço na minha estação e continuo olhando para ela, sentadinha ao lado da janela. Aceno um tchau apreensivo e percebo que, além de seus cuidados, tenho também os seus olhos. Os olhos que mais suavam no mundo.
Texto: André Petrini
Foto: Konstantin Filatov