
Maicosuel, 24: algumas madeiras grossas e um pedaço de lona lhe trouxeram conforto que ainda não conhecia no último inverno. Contrariando os que pensam que a inteligência lhe fugiu desde que fumou crack pela primeira vez, escreveu a giz com letras bem desenhadas (frequentemente elogiadas na escola) num papelão: Minha casa, minha vida.
Julia, 32: construiu para sua filha de oito anos uma miniatura de carrinho de catar papel muito parecido com o que ela mesmo trabalha diariamente. Ontem, a coleta de alumínio rendeu bem, conseguiu comprar uma latinha de tinta rosa para pintar a carrocinha da sua pequena, não vai mais precisar levar a menina sentada no carrinho maior.
Wesley, 15: ficou algemado no balcão da delegacia do menor infrator por cinco horas, esperando sua mãe chegar para assinar alguns termos, foi pego numa operação da guarda municipal que deteve quem entrou no ônibus sem pagar. Fazia muito sol para voltar a pé e o dinheiro da condução nessa semana foi todo em arroz, macarrão e feijão.
Vilma, 43: voltou a estudar no começo do ano, o conteúdo da aula de matemática desse mês vai ser equivalente ao da quinta série. Não vê a hora de conquistar seu diploma do ensino médio e enfim se candidatar para a vaga de faxineira no hipermercado.
Sandro, 45: o ofício de cuidador de carros lhe rendeu quase cem reais nessa semana, sessenta vai para o dono da pensão, bem administrado vai dar para comprar comida e guardar um pouco num saquinho que fica debaixo do colchão. Sonha em economizar o suficiente para ir ao dentista e reaver ao menos os dois dentes da frente da sua boca despovoada.
Estéfany, 11: semana passada foi estuprada pelo filho do senhor que a contratou para limpar a sua casa, que fica na mesma vila onde ela mora com a mãe e os quatro irmãos. Não se sentiu mais aliviada quando seus irmãos desfiguraram o homem que a violentou e chorou tanto quanto na semana anterior: teme o que virá pelos próximos dias.
Ribamar, 27: os bicos em obras rarearam na proporção de seus músculos, acende o fogo que aquece sua panela com restos de madeira esquecidos nas caçambas. Vasculha o lixo dos sobrados que ajudou a construir, se sente com sorte quando acha mais que ossos e legumes podres.
Natalia, 20: sai de casa com o filho no colo toda terça-feira às três da manhã, munida de esperança e toda sorte de sacolas nos bolsos. Caminha por mais de duas horas para chegar na feira; ganha um pastel e um pouco de café, consegue algumas moedas no decorrer da manhã e deixa o filho sentado no meio-fio enquanto recolhe alguns alimentos que se espalham pelo chão.
Alberto, 62: desde que recobrou a consciência no leito do hospital ouviu ao menos sete vezes que é um milagre estar vivo após tantas facadas, logo vai ter alta, apesar das feridas ainda sangrarem. Se sente fraco, cansado, mais por conta de uma vida sob constante injúria e preconceito que pelo último incidente.
Neusa, 52: vende pirulitos no sinal já faz uns anos, com nariz de palhaço e maquiagem vermelha e branca. Sentou no meio-fio e riu sozinha dia desses, quando alguém comprou todo o pacote de doces e seu nariz vermelho, porque precisa do aparato para ir a um protesto.
Escrito pelo Gabriel Protski
Arte por Florentijn Hofman